quinta-feira, 12 de abril de 2012

A MORTE E A COMPRA DO PARAÍSO

                                 Foto do arquivo pessoal de Robson Terra

Com a morte repentina de um amigo, o já saudoso Robson Terra, ficamos, eu e meu amigo César Brandão, conjeturando sobre a morte. Parece que, depois dos 50, ou, como dizia meu velho pai, após “dobrar a curva do Caxangá”, começamos a ter pretensão de querer negociar com a vida: ah, eu gostaria de ir assim ou eu não gostaria de ir de jeito nenhum, essas viagens.
Fato é que crescemos sendo ensinados que, cumprido um certo número de virtudes morais, estaríamos assegurando, não apenas uma vida longa e feliz, como também uma vida eterna num lugar aprazível e pacífico. Passados esses anos, no entanto, não consigo perceber, nem uma coisa, nem outra. A obediência cega aos mandamentos da lei de Deus, seja de qual religião for, e com todo o respeito que entendo que elas merecem, não parece garantir, automaticamente, as benesses, nem de uma vida física saudável, e muito menos de uma vida espiritual plena.
Há questões muito complexas, principalmente quando são envolvidos os conceitos de “certo” e “errado”. Exemplificando: um soldado que vai defender sua pátria numa guerra, mesmo numa guerra santa, aos olhos do grupo religioso local seria um herói, um santo ou um mártir. No entanto, aos olhos do inimigo, seria um vilão, um pecador e um perverso.
Mas, e aos olhos de Deus? Ou do Cósmico? Ou da Mãe Terra, ou seja qual for o nome que cada qual atribui às instâncias que justificam nossa existência aqui neste planeta?
Não nos iludamos, portanto, porque, simplesmente, as virtudes mais puras e também os pecados mais terríveis só farão sentido em relação às nossas próprias idealizações e à luz da cultura vigente. Não digo isso no sentido de que, apreendida essa verdade, tudo é permitido. Há um limite e este limite é a nossa própria consciência ética. A frase memorável de São Paulo na epístola aos Coríntios é definitiva: “todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm; todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma”.
Não existem verdades absolutas em nenhum discurso doutrinário, palavras não são capazes de revelar a inefável lógica da Vida. Toda a preocupação com o cumprimento de dogmas e toda acumulação de “pontos” conversíveis em indulgências celestiais são comportamentos antinaturais que refletem apenas uma coisa: a preocupação, o medo e o pavor da Morte e do Morrer, o momento em que nosso ego é deletado para sempre.
Na vida alucinada em que vivemos e em meio ao pavor suscitado pela questão de se ver anulado de uma vez por todas no turbilhão temporal, acabamos por nos afastar daquilo que seria um aprendizado sobre a arte de morrer. Se tivéssemos a coragem e a serenidade para tratar do assunto, veríamos que a vida é. Não somente a vida é, como também o que morre são os nossos atos. Não adianta ficar fazendo poupança de supostas boas ações, nem promessas para se obter alguma vantagem ainda que lícita e louvável. A morte acontece, vejam o segredo, apenas para quem não aprendeu olhar para fora. Com efeito, ao ver a postagem do amigo conceituado como “morto”, meu filho pergunta:
- Papai, o Mágico de Oz (um dos personagens do Robson) morreu?
- Não meu filho, respondo, apenas o moço que usava o corpo dele. O mágico continua lá, na Cidade de Esmeralda, que fica depois da estrada de tijolos amarelos, acima da curva do Caxangá.

(Crônica: Jorge Marin)

2 comentários:

  1. O Robson era um cara legal!
    Se foi, mas enquanto esteve aqui emprestou seu corpo à experiência da fantasia real que é o teatro.
    Vi algumas de suas peças. Preocupado com questões sociais, fazia do seu trabalho uma forma de compartilhar alegrias e cultura.
    Valeu Robson.

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    Respostas
    1. Elizabeth Bishop dizia que "A arte de perder não é nenhum mistério
      tantas coisas contém em si o acidente de perdê-las, que perder não é nada sério." Mas, perder a arte, em si, é bem triste.

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