quarta-feira, 21 de março de 2012

O QUE HÁ DE NOVO NO DIVÃ - VII

Arte digital por Sally Burtnick

A “veia” chegou, penso. Que coisa horrível de se falar, ainda mais de uma paciente, mas, na verdade, ela deve ter uns setenta e cinco anos, baixinha, meio gordinha e com o cabelo todo branco e muito bem penteado e armado a laquê. Aliás, a própria palavra laquê aqui é meio que pleonasmo.
- Eu quero dizer, doutor, que eu não estou vindo aqui por causa de mim. Eu estou bem, tenho uma saúde de ferro, e não tenho nenhum problema psicológico porque tenho a minha bíblia sagrada e é com ela que eu pego. O problema é o meu filho. Ele não consegue parar empregado em lugar algum. E tem me dado um trabalho danado. Agora, a irmã dele, a minha filha mais velha, tem me proibido de emprestar meu cartão para ele fazer compras lá no supermercado. Mas ele tem mulher pra sustentar. O senhor sabe como é, né?
- Não, dona Florisbela, não sei – a cartilha até manda não tratar os pacientes por “dona” ou “senhor”, mas acho que, se não a trato por “dona”, aí é que ela vai embora mesmo.
- O senhor não tem filhos? Não sabe como eles dão trabalho e como a gente é obrigada a sacrificar tudo por eles?
- A senhora não falou a idade desses filhos pelos quais a senhora tem sacrificado tudo...
- Ah, meu filho (pronto, já me adotou!), eu esqueci mas é que, depois dos setentas, a cabeça já não funciona tão bem. O Murilinho tem 47 e a Elizabete, a mais velha, tem 49. Vai fazer cinquenta no final do ano. Mas ela é muito egoísta, vive dizendo que eu tenho que parar de tratar o irmão dela igual criança, que ele precisa crescer. Mas filho, a gente sofre por eles é a vida toda, né doutor? A Elizabete ficou assim, dura, depois que o marido dela deixou ela por uma lambisgoia lá do trabalho dele. Olha, e cá pra nós, além de tudo, ela é cabrocha.
(Pra quem não entendeu esses vocábulos, lambisgoia é a atual piriguete, e cabrocha é a mulata, ou a autodeclarada negra para o vestibular.)
- E tem mais (a mulher não para de falar), a Elizabete está assim porque eu não quis (não quis não, não pude!) pagar o curso de Chinês para a Alessandra, a minha netinha. Mas é que eu já pago o balé e o Inglês.
E faz uma afirmação assustadora (pensei que a mulher era rica):
- Com os quatro salários que o falecido me deixou que é a pensão do Iapetec (aí já foi longe demais, até mesmo para mim), eu já estou passando dificuldades, pois, além desses cursos todos que eu pago, mais o dízimo, mais minha contribuição para os vicentinos, além da lista de supermercado do Murilinho, ainda tem uma coisa terrível, que eu não posso contar pra ninguém, nem mesmo para o senhor.
Como sei que isso é sinal de que ela está louca para contar, só falo:
- A senhora fique à vontade para contar o que quiser, ou não.
- Mas eu vou falar (como se eu tivesse alguma dúvida): estou com uma prestação de consórcio de quinhentos reais e deve aumentar mês que vem porque aumenta quando o carro aumenta, como o senhor deve saber.
- E a senhora não pode parar de pagar o consórcio?
- Não, porque é o carro da Suellen que já foi sorteado e ela até já bateu com ele.
- Perdão, mas eu não me lembro de quem é a Suellen.
- Não falei não? Ela é a lambisgoia, amante do Osvaldo, ex-marido da minha filha. Ele me pediu pra fazer o consórcio no meu nome. E o pior é que está sem me pagar há oito meses.
Gente, sabem que eu queria muito ter sido lutador de UFC? Queria mesmo...

(Crônica: Jorge Marin)

Um comentário:

  1. Tem gente que cultiva problemas com a mesma insistência e competência de quem cultiva bonsais!
    Parabéns por mais esta ótima história da vida como ela é (ou não deveria ser).

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