sexta-feira, 10 de junho de 2011

TIRO DE GUERRA 04-151

Frame da série Soldado Quiçassa da TV Paraná

Capítulo 5 - 0039 Nunca Mais Outra Vez

NA SEMANA PASSADA, como bem recordam... Bom, na verdade, o causo era para ter terminado, mas o Serjão acabou falando demais: “cada um de vocês guarda na mochila muitas histórias pra contar”. Aí, eu não resisti, pedi emprestado este espaço nobre das sextas-feiras, e vou falar um pouco desta “emoção” de ser atirador.
Pra início de conversa, detestávamos a ideia de servir o Tiro de Guerra, imagino que um pensamento comum a todo adolescente. Acho que tem a ver com aquela “onipotência” própria dos jovens, que gostam de contestar, de pensar que os pais não sabem nada, e se acharem os tais, indestrutíveis, imortais e irresistíveis.
Mal sabíamos nós, e mal sabem também os jovens hoje, que o Tiro de Guerra é um tipo de iniciação que marca a vida de qualquer rapaz e, na forma bruta de disciplinar, fornece exatamente a dose certa de postura, a exata medida de civilidade e, por que não dizer, a autenticação da virilidade, porque, ao contrário das moças, que se transformam em mulheres assim, de uma hora para outra, os rapazes, antes do Tiro de Guerra, não podem ser exatamente classificados como homens. Uma prova disso é que a maioria daquelas colegas nossas, que morríamos de vontade de ficar (acho que, na época, ficar era paquerar), ficavam com os caras mais velhos.
A turma do Serjão se formou e uma outra iniciou. E lá estava eu. Era dia 1º de maio de 1976, e não podia ser mais sem graça: era feriado mas era sábado, e estávamos de guarda, eu, o 12, o 15 e o 39. Normalmente, seriam escalados o 12, o 13 e o 14. Mas o 13 tinha ganhado uma folga porque doou sangue, e acho que o Sargento dispensou o 14, que trabalhava na fábrica. Hoje ele é açougueiro, aqui em Juiz de Fora, se é que não se aposentou. Naquele tempo, éramos rapazinhos mas já trabalhávamos e ganhávamos nosso próprio salário, exatos 768 cruzeiros a partir daquele fatídico primeiro de maio, graças ao amado – e não se podia dizer diferente – Presidente Geisel.
Como não tinha instrução, recebi o serviço diretamente do 2, que tinha sido o cabo da sexta-feira. O 2 era um cara sério e gostava de tudo muito direitinho, talvez porque o pai dele, do qual herdara o nome, também era uma pessoa muito austera. Moravam ali perto do fórum e parece que aquela rigidez acompanhava o 2, que adorava chamar a atenção dos seus comandados e, pela sua seriedade, acabou atraindo uma certa antipatia da galera. Prova disso é que a maior desgraça que pode acontecer com um atirador aconteceu com o 2, e foi comemorada com cervejada por um bando de sacanas, e até por dois cabos que não deveriam estar lá naquela esbórnia, e estávamos, eu e o 10 (o 10 é da família Pytomba).
Mas, receber o serviço do 2 era tranquilo porque, geralmente, estava tudo “sem alteração”, como dizíamos.
Ah, vocês querem saber qual é a desgraça que aconteceu com o 2? Pois é, aprendemos, desde o primeiro dia em que pegamos no mosquetão que a peça mais sensível, e que não poderia ser danificada de jeito nenhum, era a ponta do percursor, sob pena do atirador que o danificasse ter que ir pessoalmente a Itajubá repor a peça com dinheiro do próprio bolso. Então foi isso: o 2 conseguiu quebrar a ponta do percursor! E tinha uma turminha, que ele teria anotado o nome porque estava conversando na procissão do enterro (na Semana Santa), que nunca o perdoou e fez “aquela” comemoração.
Bom, lá estávamos, com nossas roupinhas civis (porque, como eu disse, não teve instrução naquele dia) recebendo a guarda, a bandeira nacional já havia sido hasteada, já que era feriado nacional) e o 2, com uma cara meio grave, veio falando, em particular:
- “Olha, 18, cê toma cuidado porque amanhã cedo vem aí um cara do Ministério do Exército para fazer uma vistoria e o Sargento tá todo preocupado. Vê lá, porque, com o 12 e o 15 juntos, na guarda, você está ferrado!”
Eu entendi a preocupação dele: o 12 e o 15 eram os dois caras mais gozadores da turma, exceto, talvez, o 10, mas este era armeiro e não participava muito das guardas, a não ser quando de castigo. 12 e 15 eram sinônimo de risada, o mesmo que juntar Didi e Dedé, ou Gordo e Magro, ou Casseta e Planeta. Mas eram pessoas fantásticas: competentes, responsáveis, mas realmente muito bagunceiros para os critérios do 2. E o 39... Cadê o 39? A gente sabia que o 39 era chegado nuns “goró”, nada muito exagerado, mas o bastante pra deixar o rapaz meio zuadão. E o que não sabíamos era que, naquela guarda, a mais longa de todas as guardas, o 39 iria ser o responsável por muitos sustos, apertos a aflições. Aguardem então: na próxima, semana, A Mais Longa de Todas as Guardas.

(Crônica: Jorge Marin / Ideia original: Serjão Missiaggia)

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