Arte digital por Karen Koski
Dizem que dois monges peregrinavam por várias cidades, como é comum aos jovens monges no Oriente, quando se depararam com uma moça chorando na beira do rio. Irmã, por que está chorando? – perguntou um dos monges. E ela explicou que havia atravessado o rio mais cedo para colher frutos e não percebeu que, talvez devido a alguma enchente na cabeceira do rio, este havia enchido e aumentado de volume, o que estava impedindo que ela voltasse para casa, pois não sabia nadar. Consternado, o monge entrou na água, pediu que ela subisse em seus ombros, e a atravessou. A moça correu feliz para casa e os dois monges seguiram caminho.
Depois de um certo tempo, o outro monge, inquieto, não pôde segurar sua indignação e repreendeu o colega, dizendo: meu irmão, o que foi que você fez? Estamos em nossa senda para a santidade e fizemos um voto de jamais tocar uma mulher. Você está repleto de pecados. Vai me dizer que não teve nenhum prazer em tocar aquela moça?
O primeiro monge respondeu: puxa, eu deixei aquela menina do outro lado do rio há mais ou menos umas duas horas atrás, e você ainda está carregando ela até agora?
Gosto destas pequenas parábolas porque falam de coisas simples, e não dão nenhuma lição de moral, embora nos façam pensar. Da mesma forma que o segundo monge, passamos a vida inteira carregando o fardo de nossos preconceitos, nossos julgamentos e nossas preocupações. Alguém pode dizer: carrega porque quer, como se fosse possível, de uma hora para outra, pegar esta tralha toda, colocar no chão, e sair assobiando uma música do Raul Seixas.
Sou uma daquelas pessoas que tem esta maldição chamada zumbido de ouvido. Faço parte de uma comunidade que não conhece o silêncio exterior. Pois bem, para se ver livre desse fardo do qual estou falando, seria necessário obter o completo silêncio interior. Mas, como atingir tal estado, se somos treinados para, a todo instante, buscar objetivos, atingir metas, adquirir bens? Qualquer livro que leiamos, vai indicar que, para atingir qualquer objetivo, temos que traçar planos, metas claras, e persegui-las. No entanto, este processo de resolução “gradual” dos nossos problemas, só vai trazer mais ruído para o nosso pensamento, mais embaçamento para nossa alma, e mais peso para nossas costas. Quanto mais autoridade, saber externo e dogmatismo, mais barulho, mais confusão e mais conflito vão nos atingir.
Meu Deus, mas há um caminho para chegar àquele silêncio interior? Se há, pode ser um excelente presente para o Dia das Mães.
Que silêncio é esse que não é só falta de barulho, nem desligamento do pensamento?
Eu poderia fazer como nos causos do Serjão e terminar a crônica aqui, dizendo: não percam, na próxima semana, a fórmula para se atingir o silêncio interior, e livrar-se dos fardos da vida. Mas, não é esta a questão: qualquer sugestão que eu pudesse fazer, qualquer instrução, ou mesmo qualquer dica, ainda assim, seria uma fórmula, um discurso, um tipo de autoridade que não quero exercer e nem estou qualificado para tanto.
Este silêncio é um estado de frescor e vitalidade que não dá nem para descrever em palavras. Sabem quando a gente coloca o ouvido numa concha de mar e tem a sensação de estar escutando o oceano ali dentro? Pois bem, imaginem-se entrando pela concha e saindo do outro lado, dentro do oceano, de um mundo de água azul e calma. Esta é (deve ser) a sensação de uma mente tranquila, que não se deixa iludir pelas armadilhas, nem do tempo, nem do espaço. Ou, como diz aquela música dos Titãs: “Marvin, agora é só você...”
(Crônica: Jorge Marin)
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