sexta-feira, 20 de maio de 2011

TIRO DE GUERRA 04-151

Arte digital por Mark Brooks

Capítulo 2 - O mais longo dos dias

NA SEMANA PASSADA, tiro de guerra, guarda, guarita, coturno, todo esse dialeto ao qual nos acostumamos quando estávamos com dezoito anos, voltou. E com carga total. Os e-mails recebidos atestam que esta fase difícil nunca saiu de nossas memórias e do nosso imaginário. De repente, 40 não é mais um número, mas um camarada que me deixou numa enrascada, 37 sou eu e 24 era um cara muito engraçado que trabalhava na padaria.
Bom, fui me empolgando e esqueci: banheiro é banheiro, e, se não estiver limpo, a guarda dobra. Mas, isso é só um mau pensamento, que eu devo esquecer, pois, afinal de contas, era o dia do meu aniversário.
Era uma manhã gelada de sábado, mas, felizmente, tudo transcorria, até então, na mais perfeita ordem e harmonia. “Sem alteração”, a gente falava. Sabíamos, de antemão, que um oficial graduado do Exército Brasileiro estaria sendo aguardado para uma visita de inspeção. Razão pela qual, naquela noite, por várias vezes, tivemos visitas surpresa do Sargento, para se certificar de que a limpeza estaria além da expectativa.
Pois foi justamente naquela manhã, quando já faltavam pouco mais de cinco minutos para a chegada do nosso instrutor, que se aproximou de mim o atirador de número 40. Pálido e segurando a barriga com as mãos, me implorou, quase que de joelhos, para usar a todo custo o banheiro. Disse que havia comido uma galinha com quiabo e que tinha dado um “reverterio” danado. Como assim, perguntei! Não faz isso comigo não!
O home já tá chegando aí pra passar em revista a sede. O banheiro tá um brinco e é um dos primeiros a ser checado. Corre ali debaixo da goiabeira daquele terreno baldio em frente e deixa acontecer naturalmente! Eu mesmo já fui lá varias vezes, concluí. Num dá tempo 37, dizia ele, enquanto, de pálido, passou a ficar vermelho. É... seja o que Deus quiser, pensei. Vai dar “merda” mesmo! Pelo menos, faço uma boa ação.
Pedi que, pelo menos, fosse o mais rápido e objetivo possível, pois era norma do TG não deixar nenhum atirador usar o banheiro antes da inspeção. Exceto o cabo da guarda e os três sentinelas. Enquanto isso, com um olho no banheiro e outro no relógio, um tanto ansioso, não via a hora em que o 40 acabasse de cumprir sua difícil missão.
De repente, comecei a perceber que o negócio no banheiro ia de mal a pior. Um odor nada agradável começava a tomar conta de toda a sede, enquanto o 40 não parava de gemer.
Poxa, mas tinha que comer quiabo com frango justamente no dia da minha guarda? Ou melhor, descarregar a galinha enquiabada na hora de entregar meu serviço?
A coisa tava tão braba que não haveria tática de guerra, grupo de choque ou de combate que desse jeito. Pelo menos, que eu soubesse, até então nada constava ou fazia referência em nosso glorioso Regulamento Disciplinar do Exército. Era artilharia pesada mesmo! E acompanhada de barulhos que mais pareciam arma de repetição. Era a busca da sobrevivência diante de agentes químicos que, cheirando a pólvora, espalhavam-se por todas as direções. Verdadeira guerra fria entre irmãos.
- O sargento tá chegando – gritou o batedor. Batedor era o atirador que ficava de olho na escada e, quando o home chegava, batia pra gente.
Olhei para a sala de instrução: aquelas cadeiras vazias pareciam ter adquirido vida própria e ficavam me acusando: vai dobrar, vai dobrar! Já nem sabia mais se o 40 ainda estava consciente, ou havia desmaiado em meio aos gases e à artilharia. O que fazer?
NÃO PERCAM, na próxima semana, O Resgate do Soldado Raio, cujos detalhes não posso revelar (é confidencial). Só digo uma coisa: a coisa vai feder!

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

3 comentários:

  1. Recordo-me quando estudava a noite no ginásio do Sôbi, e presenciava dois colegas de turma que naquele ano serviam o Tiro de Guerra dormindo mais que assistindo aula.
    Dava pena de ver tão cansados debruçados sobre a carteira.
    Maria do Carmo

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  2. Amigo Serjão,aconteceu hoje um fato que tem a ver com sua história ¨tirodeguerreana¨.Eram seis e meia,eu e minha mulher ainda estávamos dormindo,quando o celular dela tocou.Assustada,atendeu,ainda sonolenta.Era meu enteado apavorado que dizia : ¨mãe,por favor,estou sem crédito.Ligue para o tiro de guerra e avise para o sargento que me atrasei para a instrução porque estou com dor de barriga¨.Até aí,tudo bem,mãe é mãe,e Edite ligou para o tiro de guerra.Mas não foi o sargento e sim o sub-tenente quem atendeu.Então ela deu o recado,inocentemente,e o oficial disse-lhe ríspidamente : ¨diga para ele tomar elixir paregórico e vir correndo,senão ele será desligado!Mais tarde descobrimos que haveria marcha até Descoberto e o sub-tenente havia ficado furioso pensando que Gilherme,meu enteado,estava fazendo corpo mole.Ainda não estive com ele,mas acho que foi muita coinciência essa dor de barriga logo no dia da marcha.E você,o que acha?!...

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  3. Grande amigo Nilson,
    Primeiramente estimo minhas melhores ao nosso atirador.
    Quanto à sua dor de barriga sugiro que em caso dele não poder ir fazendo baldeação nas inúmeras goiabeiras espalhadas pelo caminho ir de elixir paregórico mesmo.
    Por sinal estão acabando com nossas goiabeiras!!!
    Forte abraço

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