sexta-feira, 15 de abril de 2011

O TOQUE

Foto do site www.saassinhora.wordpress.com

Capítulo 1 - Dá-lhe, Juraci!

E lá estava ele! Numa imensa fila, num sol escaldante, bem em frente aos correios e já quase virando a esquina.
Deveriam ser, mais ou menos, umas quatro da tarde e eu, nesta hora, me dirigindo à padaria, fiquei um tanto intrigado.
Aquela cena chamou-me muito à atenção, pois, de início, não sabia bem do que se tratava. No momento, a única coisa da qual tinha certeza era que aquela fila enorme teria, como ponto final, o CEASM (Centro de Atendimento à Saúde da Mulher).
De qualquer forma, era uma visão um tanto confusa, onde um amontoado de homens que, na sua maioria beirando seus sessenta e poucos anos, pareciam estar no corredor da morte. Algo assim como: prisioneiros de guerra caminhando para a câmara de gás.
Na verdade, aquela cena muito me intrigou!
Dessa forma, ao chegar à padaria, procurei, de imediato, ir me inteirando do assunto, para descobrir o que realmente se passava.
Foi quando tomei conhecimento de que se tratava de uma campanha organizada pela secretaria municipal de saúde, com foco total naquele dia. Para ser mais preciso, o objetivo da campanha era a prevenção de doenças masculinas.
Bom, os fatos até então apresentados ainda não justificavam aqueles semblantes carregados, as fisionomias tensas e o silêncio sepulcral na fila.
Compreendi que tudo aquilo se constituía numa grande novidade para a maioria daqueles homens, pois um exame dessa natureza era até então inédito na cidade, ainda mais se tratando de uma mobilização em massa.
Mas o ineditismo e a ansiedade pelo novo ainda não justificavam todo aquele choro e ranger de dentes.
Fui conferir no local: a maioria não queria saber de conversa e, muito a contragosto, revelaram que já haviam feito o exame de sangue na policlínica. Restava então, e eis que os meus olhos se abriram para a luz, o fatídico momento: “é... o toque retal!”, alguém sussurrou baixinho. E, me puxando pelo braço, falou quase colado ao meu ouvido: “sabe como é, né moço, o exame da ‘prosta’.” A forma simples com a qual aquele homem me contou a novidade, e a sua voz entrecortada, me partiram o coração e eu, talvez numa reação inconsciente, atravessei a rua, sem olhar, e fiquei do outro lado, com as costas voltadas para a parede, como a dizer: “sartei de banda.”
Confesso-me envergonhado de tal comportamento, mas, sei lá, há tantas reações automáticas em nosso corpo. Instinto de sobrevivência? Desculpem, mas sou um homem do século passado, e ainda não estou totalmente aberto às novas tecnologias. Fiquei, lá do outro lado, só olhando.
Lá estavam nossos heróis, milimetricamente perfilados na calçada. Posicionavam-se como se estivessem a se esconder, ainda que não de forma intencional, uns atrás dos outros.
E lá estava o Juraci! Meninos, eu vi. Que tava, tava!!! Pessoa muito boa que, por sinal, tem, como único defeito - se é que podemos chamar isto de defeito - ser um sujeito extremamente machista.
Para vocês terem uma idéia, certa vez, uma septicemia quase o levou a óbito, simplesmente, porque o bravo sanjoanense não permitiu que um profissional lhe espremesse um furúnculo na bunda.
Dá para acreditar que, em pleno século vinte e um, ainda exista alguém que quase vai dessa para melhor, só por causa de um cabelo inflamado no traseiro? Pois o Juraci quase foi. Creio que vocês, agora, já devam estar compreendendo os motivos, e a importância das minhas observações.
A fila andou. E agora? O medo, o dedo, e a dor. Não percam, na próxima semana, a sequência deste fatídico holocausto.

(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)

Um comentário:

  1. O Serjão mostra, como sempre, percepção e humor aguçados. Êta dupla dinâmica está do Jorge e Serjão! Estou com 41 anos, ainda não fiz o exame de próstata (ou nome ainda mais cruel e humilhante: exame de toque retal) e me preparo desde o início no ano passado para este momento trágico. Penso que em pleno século XXI é inadmissível não existir algum tipo de escaner ou aparelho que possa examinar a próstata mantendo a dignidade do ser masculino. A humanidade consegue imagens da Lua, das fronteiras do Sistema Solar e até do Universo e não rola umas imagens simples de dentro do corpo? Isso é sacanagem! Essa parte do corpo foi feita para funcionar com uma única direção (não vou dizer que é para funcionar em mão única porque o sentido pode ser deturpado). Sou solidário com a turma da “fila da morte” dessa crônica, porque um homem, depois que leva uma dedada onde não foi chamado, nunca mais é o mesmo.
    Em uma conversa entre homens, está não é uma estória do Harry Potter, mas tem “o precioso” anel e aquela criatura médica que ninguém cita o nome, pois se torna “aquele-que-não-deve-ser-nomeado” ou o “você-sabe-quem”. Faltam também a magia e o final feliz.
    Sylvio.

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