quarta-feira, 6 de abril de 2011

GODARD E A FALTA DE AR

Foto de Alba Valéria Mendonça para o Portal G1

Recebo, do meu amigo Brandão, indicação para um vídeo de Jean-Luc Godard no YouTube, chamado “Je vous saloue Sarajevo” (http://www.youtube.com/watch?v=LU7-o7OKuDg&feature=fvsr). Nele, uma frase martela, ou martiriza, nossa atenção: “cultura é a regra, e arte, a exceção”. Todos leem, respiram, transpiram cultura. Pois, ela é simplesmente tudo o que nos cerca: laptops, news, bbb, novelas, e fitness, entre outras. Pior do que cercar, a cultura nos intima: temos que saber, temos que estar antenados. Vai cair no vestibular! Você não conhece o I-pad 2?
Aí vem um colega e diz: não sei o que está acontecendo, o tempo está passando tão depressa. Meu Deus, já estamos em abril! Quando é que isto vai parar? Não tenho tempo pra nada! E leva os filhos pro balé, e pra informática, e para a capoeira, judô, natação, para o shopping e para o pediatra e para o psicólogo especialista em fobia de bullying. Vem a mulher e faz um lifting, uma lipoescultura (ex-cultura?), mais peeling, bottox e quetais. Enquanto ficamos aqui, na Net, no note, no Orkut, no Facebook, no Twiter, no Skype. Ou vamos pra night, pro lounge, para a steak house, ou sushi, ou assistir à pole dance e, com sorte, até a lap.
É... cultura é a regra. E, mais do que a regra, é a prega, ou a praga, ou a droga que nos estimula. A cultura é a panaceia compulsória de que não precisamos, mas continuamos tomando. Sabem aquele “remedinho pra dormir” que o psiquiatra receita para a tia e todo mundo em casa toma, só porque não faz mal e é “fraquinho”? Pois é, a cultura é mais ou menos assim: uma coisa que você não pode deixar de consumir, que não serve pra nada, mas é imprescindível. Véi! Você nunca fez pilates? Não depilou a laser? Não leu o último livro do padre?
Aí vem esse louco desse Drummond... Sim, porque só um louco pra querer fazer arte, porque esta, como o velho mestre Godard disse: é exceção. E não venham dizer que o Drummond dizIA (só porque ele morreu). Primeiro, porque ele, sob o código artístico, não morreu. E continua tendo seus óculos roubados, toda semana, na praia de Copacabana. Em segundo lugar, porque a arte nunca é dita (quando muito, é mal dita). Ela é escrita, ela é composta, ela é pintada, filmada ou é vivida. E se torna, portanto, arte de viver.
Mas como eu, que não sou artista, dizia, vem o Drummond, e numa poesia escalafobética, chamada Ao Deus Kom Unik Assão, escreve: “e, quando não restar o mínimo ponto a ser detectado, a ser invadido, a ser consumido, e todos os seres se atomizarem na supermensagem do supervácuo, e todas as coisas se apagarem no circuito global, e o Meio deixar de ser Fim e chegar ao fim, Senhor! Senhor! Quem vos salvará de vossa própria, de vossa terríbil estremendona incomunikhassão?”
Fica, então, esse mensagem godárdica (não confundir com catártica): a regra quer a morte da exceção. Portanto, essa falta de tempo, de dinheiro e até de alma (desânimo), não é acidental, nem corriqueira. Essa falta é intencional. Alguém aí já viu como é feito o foie gras? Um cara pega o ganso, do qual será retirado o fígado para o patê, e chucha (calma, é com ch mesmo) quilos de maisena com gordura de porco pela goela abaixo. O ganso, coitado, absorve tudo – e como absorve – como parte do sistema em que vive, e morre.
Portanto, amiguinhos, que a Paz esteja com vocês! E... olho no fígado!

(Crônica: Jorge Marin)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

BRIGADU, GENTE!

BRIGADU, GENTE!
VOLTEM SEMPRE, ESTAMOS ESPERANDO... NO MURINHO DO ADIL