Foto por Nikitas Michalakis
Na semana passada, três irmãos exerciam cuidadosa vigilância sobre as pessoas que iam para as missas.
Mas, o que ocorria enquanto essas aconteciam? Isto é, nos intervalos entre as subidas e descidas dos transeuntes?
Se for domingo, possivelmente alguém irá assistir ao começo do Fantástico ou ao programa do Sílvio Santos (não se pode esquecer que é dia de conferir a telessena). Esta pessoa dará uma breve sentadinha na poltrona, tomará uma xícara de chá, ou aproveitará aquele espaço de tempo para tomar o comprimidinho da noite. Tudo muito rápido, pois logo logo terá que retornar ao seu posto, em circunstância do final da missa.
A outra irmã se sentará próxima a alguma mesa de centro e continuará aquela interminável colcha de crochê. Também irá assistir ao início do Fantástico, sem deixar, porém, que o Bolinha deite ao seu lado. Algo me diz que ela não gosta de cachorro na poltrona.
O Senhor Josué, com certeza, irá dar uma breve ligadinha no seu rádio. Aquele velho rádio, a válvula, que, devido às variações das ondas sonoras, fica num constante vai e vem de sinal. Este rádio deverá estar em uma daquelas cantoneiras, pregada em algum lugar da parede, num canto qualquer da casa.
Bolinha, mais do que depressa, irá correr para algum tapete que, bem quentinho, se encontra próximo à televisão. Ficará tirando um cochilo, ao lado de seu pratinho de leite e aos pés de uma das irmãs. A que está vendo o Fantástico – é claro!
Final da missa. E todos se apresentam novamente na varanda.
Como um balé milimetricamente bem ensaiado, começam a se reposicionar para as considerações finais.
Sabem de uma coisa? Até de um joguinho básico, cheguei a suspeitar. Para quem não tem muito o que fazer, uma apostazinha iria bem. Algo assim como: vamos apostar se o fulano de tal virá... Se se atrasará... Se a cor da roupa será mesma... Que tipo de trajes usará... E, até mesmo, o nível de frequência daquela missa.
Na verdade, confesso nunca ter observado qualquer tipo de movimentação, mas, que existe alguma coisa suspeita no ar, isto existe! Um dia, hei de provar.
O irmão me confessou, certa vez, que estava quase cego. Operou ambos os olhos, devido a um deslocamento de retina. De antemão, sabendo que cachorro não fala, desconfio que alguma de suas irmãs fica a narrar cada movimentação que acontece.
Fico apreensivo, imaginando como deverá ser na semana de exposição, pois é uma semana inteira, subindo e descendo gente, sem parar.
Possivelmente, colocam em prática uma já bem combinada escala de observação.
Acredito que poderá ser de duas em duas horas, pois, do contrário, não haverá artrose que aguente.
Domingo passado, não resistindo à curiosidade, sentei, após o término da missa, num dos bancos da praça. Um que fica bem em frente à varanda, pois queria estudar, com mais detalhes, aquela fantástica rotina. Observei que, ao retornarem aos seus postos, uma das irmãs se atrasou. Mas, é claro!!! É a hora de começar o jantar.
Em seguida, após todas as pessoas e carros descerem, constatei que a outra irmã, naturalmente a que enxerga melhor, ficou esticando o pescoço para o lado da igreja.
Coincidência ou não, imediatamente, todos começaram a entrar.
Dando uma olhadinha para trás, pude perceber que, somente quando todas as luzes da igreja são apagadas, é que eles realmente se certificam de que não descerá mais ninguém.
Senhor Josué, após receber o sinal, que foi dado pela irmã, coloca o cachorro no chão e também começa a se recolher. Não sem antes retirar, dobrar e guardar uma pequena toalha que, esticada no parapeito, servia de estofado para o Bolinha.
O dia em que um deles faltar, provavelmente será devido a alguma virose. Sabem como é: idoso, quando pega uma dessas viroses, se abate bem.
Para finalizar, tenho quase certeza de que, após o encerramento de cada movimentação, irão para a cozinha. Lá, será servida uma deliciosa sopinha de legumes ou uma canjinha de galinha. Depois, é só pitar aquele cigarrinho de palha e aguardar a próxima missa.
(Crônica: Serjão Missiaggia)
Normalmente, adapto estes casos do Serjão, para melhor se adequarem a esse meio zapt da blogosfera. Mas achei este causo de uma beleza tão singela, como se fosse uma foto do Sebastião Salgado, que não tive coragem de mexer em nada, e saiu dessa forma: bruto, porém lapidado e quase cristalino. Verdadeiro artesanato!
ResponderExcluirGente!!Cada vez que releio o texto mais lindo acho o desenrolar da vida no interior , com toda sua beleza ,magia, tranquilidade e prazer , mas que infelismente já se tornou raridade.
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