quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

VIDA SIMPLES: MANUAL DE DESORIENTAÇÃO

Foto de Hermin Abramovitch


Andando pelas ruas de Juiz de Fora, o caos é o mínimo que acontece. Natal chegando, décimo terceiro salário, e lá vamos nós para as compras. Na saída de casa, um carro, dirigido por uma senhora, não para no cruzamento, e choca-se violentamente com outro, zerinho, que vai passando. A criança no banco de trás, sem a tal cadeirinha, é resgatada pela mãe, que chora. É... o dia promete.
Um conterrâneo (sanjoanense), meu vizinho, vem ver o acidente, e diz que não suporta mais este corre-corre, esta barulhada e não vê a hora de se aposentar para viver uma vida simples em São João. Pergunto (sou chato): mas afinal que vida simples é essa? Percebo que meu companheiro pensa que, depois que saímos de nossa cidade natal, ela parou e ficou do jeitinho que era. Ele fala que vida simples é viver num lugar calmo, sem engarrafamentos de trânsito, poder parar na rua e conversar com as pessoas, ser dono do seu tempo, não ter que ficar desviando dos transeuntes enlouquecidos todo o tempo. Enfim, “viver”, diz ele.
Este diálogo me lembrou meu velho pai que, no dia de hoje, se vivo fosse, estaria completando seus 88 anos. Ele dizia, na época da Guerra Fria, que, se o mundo acabasse, ele se mudaria para Roça Grande. Ao situar a vida simples geograficamente parece que estamos levando a sério a antiga piada do sr. Irenio.
Pensamos, talvez até por força de nossas religiões, que a vida simples depende de um despojamento, parecido com aquela cena do São Francisco, no filme “Irmão Sol, Irmã Lua”, onde o jovem entrega todos os bens, e até as roupas, recebidos do pai, para seguir uma vida de santidade e paz. Ou mesmo do iluminado Buda, quando, ainda Sidarta, abandona seu palácio dourado, e vai jejuar debaixo de uma árvore.
Mas, aos poucos, tenho percebido que a privação da materialidade, tanto quanto o decantado despojamento, tem um papel pequeno na simplicidade de nossas vidas. A simplicidade, mais do que uma consequência do ambiente externo, é fruto da forma como organizamos as nossas escolhas. E o pior é que estas nem sempre são feitas de forma consciente, já que, na maioria das vezes, são determinadas unicamente pelas nossas sensações. O que queremos, na verdade, é provar o fruto proibido. Se não tiver mais na árvore, é certo que vamos cultivar um novo. Ao invés de buscar, simplesmente, a felicidade, buscamos novas e excitantes sensações. Com estes sentidos que nos foram dados, não há nada de errado com isto, exceto que, quanto mais elaboradas estas criações mentais pela busca do prazer, mais complexas vão se tornando as nossas vidas.
Tentar controlar as escolhas também é outro equívoco, é premeditar o breque, é programar o sonho. Então, como não é possível, pelo menos enquanto vivos, deixar de sentir, a solução, se é que é factível, passa pela ESCOLHA DA FORMA COMO VAMOS SENTIR.
Muitos pensam: ah, mas se eu voltar pra São João; ah, se eu me aposentar; ah, se eu tiver pássaros e flores no jardim! Pode ser que muitos de nós não suportem esta situação nem por um mês. Porque viver, para nós humanos, não depende da paisagem. O poeta Walter Franco esclarece, em “Serra do Luar”, que “viver é afinar o instrumento, de dentro pra fora, de fora pra dentro, a toda hora, a todo momento”.
Aqui, no blog, temos um lema, que é a marca registrada do Serjão. Diz: vamos que vamos, e indo, percebemos que a simplicidade é mais do coração do que da cabeça. E encaramos todos os bêbados, os lúcidos e os doutores. Cantamos uma música do nosso tempo, aquela que diz “I wanna know: have you ever seen the rain, comin’ down on a sunny day”. Não queremos explicar nada, nem receber explicações. Se é possível viver uma vida simples, então, meu amigo, eu vou lá e vivo, em Nova Iorque, ou em São José dos Cabritos (Ituí).
Me diz aí: você, alguma vez, já viu a chuva caindo, num dia de sol? Pois é...

(Crônica: Jorge Marin)

Um comentário:

  1. Muito bom Jorge, muito bom! Voltando à brincadeira que seu pai fazia a respeito de se mudar para Roça Grande "SE O MUNDO ACABASSE", parece que ele já sabia que Roça Grande ainda não fazia ( e parece que ainda não faz) parte do mundo portanto seria o único local que permaneceria intacto, como o é, até hoje!!!
    Um abraço, e com um pequeno atraso ( faz parte nos dias de hoje) um feliz Natal e para compensar o atraso adianto-lhe ( e a todos os seguidores do blog )um Feliz Ano Novo cheio de PAZ , boas lembranças e muitas amizades!
    MAZOLA

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