quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

OS FILMES QUE EU NÃO ASSISTI NO CINE BRASIL



Há mais de 25 anos, eu cultivo este estranho hábito de subverter as histórias infantis que conto para os meus filhos. Talvez porque eu mesmo não suportasse o conformismo e achasse toda aquela “bondade” irreal demais, eu sempre alterava os escritos originais dos irmãos Grimm e outros, introduzindo explicações sobre o Lobo, que eu não considerava Mau, apenas um apreciador da carne suína, como nós. Outras vezes eu explicava que aquele felizes “para sempre” era mentira, pois nada é para sempre, pelo menos aqui nestas bandas terrenas.
Naqueles idos anos 70 para 80, foi lançado o filme “Superman”, contando a saga do famoso herói dos gibis, numa invejável produção, que tinha a participação de Marlon Brando, como Jor-El, e a estreia do inesquecível Christopher Reeve, além da figurinha atrevida de Margot Kidder, na pele da destemida Louis Lane. Também neste filme, para minha tristeza, imperavam os clichês, do herói que defendia os fracos e oprimidos ao bandidão terrível e totalmente “do mal” Lex Luthor, aqui vivido por Gene Hackman, o sósia do Filipão.
De volta ao século XXI, temos agora uma deliciosa releitura desta luta do bem contra o mal. Na abertura de “Megamente”, é recontada a explosão do planeta Krypton, mas sob a ótica incômoda de um vizinho do “garoto dourado”: também um alienígena, porém de pele azulada e cabeção. Enquanto o futuro Homem de Aço, desce tranquilamente, em sua naves, através de um cinturão de asteróides, nosso amigo azulão vai ricocheteando em um por um. Na chegada à Terra, a coisa não é diferente, com o garoto de Krypton caindo diretamente dentro de uma mansão, enquanto a criança azul vai parar dentro do pátio de uma prisão, onde é adotado por um bando de criminosos da pior espécie, que, como quaisquer pais modernos, condicionam o filho a odiar aquilo que mais temem, no caso a polícia.
Já dá para perceber que os dois extraterrestres irão desempenhar papéis de destaque na cidade mais próxima, a moderna Metro City, onde assumirão as personalidades de Megamente e Metroman. No entanto, o que leva o azulzinho Megamente a assumir sua porção malévola é um fato corriqueiro, hoje muito comum nas escolas, o bullying. Como ele é um tanto atrapalhado, e o supergaroto, seu colega de classe, é o queridinho da professora e dos colegas, acaba sendo discriminado por todos, e sendo marginalizado. Nesta posição desagradável, ele conclui que, como não consegue fazer nada de bom, o negócio é partir para a maldade. Bem lógico, não?
A luta destes dois superseres é acompanhada pela (também) repórter charmosa Rosane Rocha, que acaba sempre sendo tomada como refém pelo malfeitor. Seu cameraman Hal, um nerd barrigudo que é louco por ela, acaba se transformando num terceiro personagem, o Titã.
Até aí, tudo se parece com qualquer outra história de animação, exceto pelo fato de que nosso amigo, ou deveria dizer, inimigo, Megamente acaba por eliminar o Metroman. Com isto, a cidade fica à sua mercê, mas, sem um adversário, ele parece perder o seu gosto pela maldade, mesmo animado pelo seu fiel escudeiro, o peixe “Criado”. Para curar o seu tédio, resolve utilizar o DNA do falecido super-herói para criar um novo super, o tal Titã. Só que o que ele não esperava é que o novo personagem resolve trilhar o caminho do mal. E aí?
Para uma pessoa que gosta de subverter historinhas infantis manjadas, este roteiro (de Alan J. Schoolcraft e Brent Simons) é genial. Primeiro, o super-herói perde, segundo o vilão não sabe o que fazer com sua solidão e, finalmente, cria um novo super-herói que prefere trilhar o caminho do mal. Sem contar que, assim sem querer querendo, o vilão, disfarçado de bom moço, o Bernard, acaba se envolvendo com a destemida, e desejada, Rosane Rocha.
Quando digo que a narrativa é subversiva, não considero que seja condenável, ou perigosa. Ao contrário, acho importantíssimo desafiar as mentes das crianças com conceitos que não estejam prontos, mas que devam ser pensados. Meu filho me perguntou na saída: “papai, o Megamente é do mal ou do bem?”. Retornei a pergunta e ele respondeu exatamente o que ocorreu no filme.
Por isso, considero “Megamente”, mais do que uma ótima diversão para a família, um motivo para o exercício do diálogo entre pais e filhos, e, até para nós, um alerta que, mais do que nunca, aquele cara, que era tido como vilão, pode ter seus bons momentos, e aquele palhaço, aparentemente inofensivo, pode acabar sendo uma ameaça. Para ficar ainda mais parecido com a realidade, vale lembrar que o Megamente pronuncia várias palavras de forma errada. Alguém poderia até dizer que se trata de um analfabeto. Mas, neste filme, assim como na vida real, nada é definitivo, e nem sempre é o que parece ser.

(Crítica: Jorge Marin)

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