Passeando pela cidade onde morei logo
que deixei São João pela primeira vez, percebo em minha jornada traços de
infantilidade, dos quais sempre me orgulhava (pensando em coisas como
criatividade e brincadeiras), mas que, olhados daqui dos meus atuais
sessentanos pra lá, francamente me assustaram.
Não é a primeira vez que me deparo com
essa minha porção criança. Quando fiz análise, essa infantilidade “do mal” já
me incomodara: talvez seja aquilo que Freud chamou de complexo de Édipo, e que
ficou popularizado como “transar com a mãe”, mas que na verdade tem a ver com
aquelas questões familiares que ficam, sem querer, coladas em nós e que vamos
carregando pela vida afora, igual àqueles bilhetinhos escritos “me chuta” que
levávamos sem saber para o recreio.
Sei que muita gente não vai gostar do
que vou dizer, mas esse apego excessivo à infantilidade é doença, doença
psíquica que nos atrapalha muito em lidar com dois temas fundamentais: a raiva
e o amor.
O pequeno demoniozinho que somos quando
pequenos lida com a raiva na base da explosão: gritos, esperneios e tentativa
de destruição de tudo e de todos que se colocam entre nós e nossos objetos de
desejo. Aí vêm os pais, ralham (não pode, minino, é feio!) e até batem, antes
ostensivamente, hoje escondido.
De tanto não pode e não pode, desde
correr até droga e sexo, a gente afinal não sabe mais o que pode. Embora queiramos
negar, não tem como não sentir raiva. Para controlá-la seria necessário um
mecanismo que fosse capaz de direcionar a sua força para corrigir as supostas
injustiças que a causaram, mas ninguém ou quase ninguém ensina isso. Só querem
saber de reprimir.
O resultado dessa dinâmica é um bando de
crianças boazinhas e bem comportadas, na realidade um exército de pobres coitados
que passam o resto da vida mendigando amor e negando a raiva, e sendo abusados,
e tendo úlceras, e prisões de ventre, e outros males.
No outro lado, existem aquelas crianças
rebeldes, brigonas, violentas, hoje diagnosticadas com todos os tipos de
transtornos possíveis nos manuais de psiquiatria. Presos a uma vingança contra
quem lhe causou a raiva, essas crianças também permanecem crianças a vida
inteira e, da mesma forma que as bocós, jamais conseguem crescer no sentido
pleno da palavra. São também pobres coitadas: criadoras de caso, barraqueiras e
sendo evitadas até por vendedores de telemarketing.
Sobre o amor então, eu nem vou me
estender muito. Só digo que para saber amar é preciso, antes de tudo, saber administrar a raiva, porque a gente tem raiva, sim, de quem ama! Imaginem só
aquele docinho de pessoa amando. Vai se ferrar por inteiro. E o revoltado? Esse
(ou essa) aí só vai levar pancada. Ou não.
Depois de todos esses pensamentos só sei
de uma coisa: criança nunca mais!
Crônica: Jorge Marin
Foto
: disponível em https://www.thunderwave.com.br/producoes/debi-loide-2/
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