O convite
não poderia ser mais tentador num daqueles dias de 1973:
─ Vamos
matar as últimas aulas e assistir filme de mulé
pelada no Cine Brasil?
Do alto da
maturidade dos nossos 15/16 anos, não deveria existir assunto mais interessante
do que a tal da “mulé” pelada. E a fissura pela nudez feminina, além de
hormonal, devia-se a um fato muito simples: não havia disponibilidade desse
conteúdo cultural tão apreciado pelos jovens.
Nos chamados
“anos de chumbo”, vigorava uma censura tão intensa que, simplesmente, não havia
nenhum tipo de mídia com pessoas nuas. A revista Status, que sairia no ano seguinte, publicava nus de atrizes, porém,
nas chamadas partes pudendas e nos seios era adicionada uma névoa para que nada
do que queríamos ver fosse visto.
Assim,
nos restava o cinema. Depois de um trabalho danado para passar arriscadamente
pela secretaria, ainda tínhamos que usar toda nossa lábia para convencer a Dona
Zenith a nos deixar entrar. Naquela noite, o filme era Se Dom Juan fosse mulher, com Brigitte Bardot. Não precisa nem
dizer que a nossa guardiã da sétima arte não quis nem conversar conosco.
Expulsou-nos de primeira, e ainda ameaçou contar pra nossas mães. Que
vergonha!!! Tivemos que despistar, dar a volta no quarteirão, e ficar olhando
ali na rua lateral, pela gretinha da porta.
O tempo
passou e acabei me tornando um cinéfilo inveterado (será que para ver as mulés
peladas?), indo, sem sucesso, em todas as sessões, até que, em 1978, o Cine
Brasil anunciou Laranja Mecânica. Sabia,
através de leituras, que havia uma cena de nu frontal no filme e pensei que,
finalmente, iria poder assistir à tal mulé pelada na sua plenitude. Qual não
foi a minha surpresa quando a atriz correu completamente nua para a frente da
cena: apareceram, do nada, umas bolinhas pretas, bem em cima dos genitais da
moça, que corria e pulava, e as bolinhas pulavam atrás, ou na frente dependendo
do ângulo.
Quando, já
adulto, morava em outra cidade e me preocupava com o início de uma carreira
profissional promissora, fui convidado por um casal de amigos para, junto com
outros casais, assistirmos ao primeiro filme brasileiro pornô, o que era um
marco para o fim da censura no país. Na mesma época, 1983, tiveram início as
videolocadoras, e o filme estava em videocassete. Após um jantar animado e
alguns coquetéis, fomos até a sala de TV, onde, ainda tomando um cafezinho,
começamos a assistir ao filme. Gente, vi, por fim, a mulé pelada. E não só
pelada, mas fazendo cada estripulia que eu nem sabia que existia. Resultado:
fiquei com tanta vergonha daquele povo intelectual, que, simulando um
mal-estar, saí pouco antes da suruba final, posteriormente descrita por um
amigo, e fiquei um bom tempo sem conversar com aquelas pessoas, embora,
privadamente, alugasse um daqueles filminhos, até mesmo para aprimorar o meu
conhecimento da matéria.
Em 1988,
já ocupando um cargo de administração na minha empresa, e conversando animadamente
com a Secretária Municipal de Cultura na videolocadora do cunhado dela, sou
surpreendido pela atendente que, de forma gentil, porém EM ALTO E BOM SOM,
anuncia:
─ Senhor Jorge,
acabou de chegar As Rapadinhas 2. O
senhor quer que reserve para o senhor?
Crônica:
Jorge Marin
Foto : disponível em http://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/cel ebridades/hotel-de-sp-expoe-ao-publico-quarto-inspirado-na-atriz-brigitte-bardot-9023
Nenhum comentário:
Postar um comentário