Hoje São
João vai dormir um pouco mais pobre e mais triste. Quirino morreu.
Quando
soube, embora não o visse pessoalmente há muitos anos, fiquei triste e foi como
se um pedaço da cidade tivesse acabado. Quirino era um patrimônio nosso. Não
havia quem não o conhecesse. Na noite, nas serestas, no Bar Central, no
carnaval. Era presença garantida. Alegria garantida. Fineza.
Menino
pequeno, quando vi o Quirino pela primeira vez foi na Brasileira. Havíamos, eu
e minha mãe, ido comprar um cinzeiro, utilidade doméstica muito comum na época
e, entre os diversos “caixeiros” que ficavam atrás do balcão, um se destacou,
deu um passo à frente, veio até nós e, muito amável, e perfumado, nos mostrou
todo o estoque de cinzeiros. Meu pai queria um com o escudo do Vasco, mas eu
apontei com o dedo o do Fluminense. Quirino abriu um sorriso e aprovou: “Lindíssimo!!!”.
Na época
dos antigos desfiles carnavalescos, não íamos assistir, mas ficávamos todos no
portão de casa, aguardando a volta do Esplendor do Morro. A grande curtição era
saber qual a fantasia masculina mais chique, a do Hermano Sachetto ou a do
Quirino? Ele chegava, entre mil plumas e paetês, cumprimentava todos nós,
sorria, e continuava desfilando como se ainda estivesse na Rua do
Sarmento.
Lembro
que uma vez, na aula de História no Ginásio do Sôbi, a professora Dona Iveta
pediu a um colega para levantar e falar sobre Quirino. Na verdade, ela queria
que falássemos sobre um antigo governador da Síria que substituiu Herodes. Mas
a simples menção do nome Quirino causou um frisson na garotada, que não parava
de rir. A velha mestra pediu que contássemos quem era esse Quirino e, meio
reticentes, cada um começou a contar: era cantor, juiz de futebol, goleiro,
carnavalesco. Dona Iveta acabou esquecendo da arguição e ficou encantada com
aquele moço que habitava o imaginário de todos.
O tempo
passou e Quirino passou, ele próprio, a fazer parte da História, da história
sanjoanense, da cultura popular, dos esportes, da música. “Onde a música me
levar, eu vou”, dizia ele. Cantou Recuerdos de Ypacaraí em Ypacaraí no
Paraguai. Cantou Asa Branca em Paris. Foi a Roma, Buenos Aires, Bogotá.
Cantando daquele jeitinho que nos acostumamos a ouvir lá no bar do Esplendor,
nas serestas e onde a música o continuasse levando.
“Vocês
acham que eu canto pra vocês? Né nada, eu canto é pra mim, seus bobos!”. Esse
era um de seus bordões. E cantava: My Way, La Barca, Guantanamera. Mas era tão
bom que pensávamos, de verdade, que ele cantava para cada um de nós.
Hoje tem
exposição. Friozinho de 16 graus. Céu lindo, estrelado. Com uma estrela a mais:
nosso gentleman Luiz Quirino de Freitas. “Yes, it was my way”.
Crônica:
Jorge Marin
Foto : Serjão Missiaggia
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