sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

INSTINTO MATERNO... EXISTE?


Buscando meu filho no colégio pela última vez no ano, chega, junto com o alívio, uma certa tristeza por passar dois meses longe do burburinho, das conversas e da efervescência da juventude.

Outro fenômeno que me encanta, e até mesmo intriga, é a manifestação multicor, por vezes também barulhenta, ou dramática das mães que vêm buscar seus filhos. Umas falam dos cuidados com o acompanhamento dos deveres, outras falam das falhas da escola, outras contam das atividades extraclasse. Um traço comum é que quase todas tentam, ao seu modo, demonstrar o tamanho do seu amor materno e da sua dedicação apaixonada aos filhos. Noto que algumas, envergonhadas, não conseguem demonstrar seu amor com aquela veemência que as outras demonstram.

Fico pensando: será que existe mesmo essa coisa que os religiosos e alguns psicanalistas de primeira hora tentaram nos vender, o AMOR MATERNO, natural, normal e incondicional?

A esse respeito, a escritora (e milionária) francesa Elisabeth Badinter afirma que o amor materno tal qual o conhecemos hoje foi, na verdade, INVENTADO no século XIX. Então quer dizer que as mães não amavam seus filhos antes? Umas amavam, outras não. O ponto de partida para o controverso livro da autora francesa, ela mesma mãe de três filhos, foi uma investigação feita pelo chefe de polícia de Paris em 1780 que demonstrou que, das 21.000 crianças nascidas na capital francesa naquele ano, apenas 1.000 eram amamentadas pelas mães e outras 1.000, por amas de leite contratadas.

O fato é que 19.000 crianças eram enviadas para o campo, onde as chamadas “amas mercenárias” criavam os recém-nascidos que, ao atingirem a idade de 5 anos, eram devolvidos às suas mães biológicas. Isto é, se sobrevivessem.

Ora, mas o que isso tem a ver com as mães do século XXI? Muita coisa. As mães de hoje, embora mergulhadas em informações, ainda sentem culpa quando percebem que não possuem o tal instinto materno. Muitas mães piram ao descobrir que não são mães suficientemente boas, sendo este conceito uma coisa meio esotérica, assim como suficientemente magras.

Outra constatação, reconfortante, é saber que um conceito absolutamente fictício, que é o instinto materno, consegue se materializar aprendido socialmente, a ponto de a maioria das mães atuais (e também os pais) só conseguirem ser felizes se os seus filhos o são.

Seguindo essa linha de raciocínio, poderíamos conjeturar que, se introjetássemos a gentileza, por exemplo, nos comportamentos das pessoas, daqui a uns trezentos anos essa prática seria considerada “normal” e o mundo, um lugar melhor para se viver.

Ou até mesmo, quem sabe, dizer àquelas mães da porta do colégio que elas podem, sim, ter preguiça (e até raiva) de ter que aguentar aquela criança chata e barulhenta. Ah, não se esqueçam de que os pais poderiam também ser convocados a aprender o tal instinto materno. Alguns, aliás, já o fizeram.

Crônica: Jorge Marin

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