sexta-feira, 27 de maio de 2016

EM FRENTE À CASA DO DR. NAGIB


Na Rua Domingos Henriques de Gusmão, por volta das onze da noite de sábado, o alarido era insuportável: vozes, garrafas, risadas e até um eventual alto-falante tocando músicas daquele ano de 1975.

Coloridos, cabeludos, questionadores e um tanto amortecidos pela cerveja que bebíamos mesmo sem gostar muito, juntávamo-nos dentro, fora, do lado e na calçada em frente à Lanchonete Joia. O Zé Luiz tentava, em vão, atender a todos os pedidos, preparar as batidas e controlar um caixa impossível.

Poucos carros passavam. Algumas motos. A fumaceira dos inúmeros cigarros pareceria hoje insuportável. Mas, apesar da chuva fina, da lama dos paralelepípedos e dos óculos embaçados, era muito bom.

Na varanda da casa chique ao lado, um homem respeitável fumava o seu cigarro (Minister?), e tentava conversar com uma senhora. Outras pessoas chegavam e saíam daquela cena que poderia ser descrita como ridícula ou inútil, visto que qualquer diálogo ali, em frente ao nosso inferno, era totalmente impossível.

Ainda assim, numa situação que eu, hoje em dia, jamais poderia suportar, o médico ria. Era uma risada alta, vinda do fundo do peito, que, se fosse emitida ali fora, até teria alguma chance de aparecer na nossa muvuca.

Lógico que, mesmo ele, com a sua paciência inesgotável e sua fleuma britânica, não aguentou a concorrência, e foi logo depois dormir. Era o tipo de família que devia ir cedo à missa.

Quarenta anos depois, fico pensando como é que o Dr. Nagib fazia para nos suportar ali em frente à casa dele, colocando copos descartáveis nos muros, jogando bituca de cigarro no jardim e falando palavrões até as duas, três da manhã.

Sei que a fineza e a educação dele jamais permitiram expressar, pelo menos pra nós, como aquela situação era ruim. Mas era muito bom!

Crônica: Jorge Marin
Foto     : Serjão Missiaggia

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