sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

ASDFG... QUANDO TUDO FUNCIONAVA DIREITO


Ia iniciar a crônica de hoje a partir das memórias sobre a inesquecível (será?) Escola de Datilografia Remington da Dona Iracema Lopes.

No entanto, percebo tratar-se de matéria meio temerária. Explico: os leitores que, hoje, têm menos de 50 anos talvez nem se lembrem da Dona Iracema, os que têm menos de 40 talvez não conheçam mais a marca Remington. Quem tem menos de 30 não sabe o que é datilografia, e os que tem menos de 20 anos dificilmente diriam o que é uma máquina de escrever.

Tentei explicar para o meu filho que vai completar 11 anos o que seria a tal máquina de escrever. O melhor que consegui foi:
- Máquina de escrever, meu filho, é um tipo de computador sem CPU que utiliza a memória do próprio operador e vai imprimindo as frases à medida que a gente as digita.
- Maneiro – disse ele, sem desgrudar os olhos do celular.

Essas constatações me assustam, principalmente porque, mesmo após esse tanto de mudanças que, diga-se de passagem, ocorreram numa velocidade vertiginosa, teimamos em querer comparar as ocorrências de hoje com o que ocorria no “nosso” tempo, como se de fato tivesse existido um tempo, o “nosso tempo” em que as pessoas fossem felizes, puras, honestas e amigas.

É lógico que, há uns cinquenta anos, tempo em que nos encontrávamos em frente à Farmácia do Batuta para esperar a hora da aula de datilografia, havia alguns conceitos muito claros – e muito concretos – sobre como a vida deveria ser vivida: pai e mãe estavam sempre certos, quem pecava iria para o inferno, o sexo só era praticado mais tarde e sempre com pessoas do outro gênero e, na política, sob a tutela dos honrados militares, os políticos que não prestassem eram sumariamente defenestrados (naquela época, ainda no sentido metafórico).

Imaginem todos esses conceitos hoje, sob o ponto de vista de uma sociedade inteiramente dividida e confusa com suas crenças embaralhadas num cenário corretamente definido por Zygmunt Bauman como “mundo líquido”?   

O que ocorreu foi que tudo aquilo no qual ferrenhamente acreditávamos, ou éramos obrigados a acreditar, até mesmo Deus, foi se relativizando de tal forma que não conseguimos mais dizer qual é a melhor forma de viver a vida, ou se há uma forma correta de viver a vida, ou se a vida sequer deve ser vivida.

Resultado: com medo das constantes crises, paramos de viver no tempo atual e, da nostalgia de um passado feliz que já morreu, e da esperança de um futuro maravilhoso que não virá, ficamos digitando no WhatsApp uma série de “kkkkk”, enquanto a morte chega e a zika abunda.

Crônica: Jorge Marin

Um comentário:

  1. Não bastava saber datilografar. Tinha que saber trocar a fita quando esta estava gasta e calcular as margens daquilo que se pretendia dizer.
    Olha só que metáfora que era tudo isso e eu nem percebia...
    Preciso trocar a fita de algumas conversas e conceitos já gastos e que não causam mais boa (im)pressão. Preciso saber calcular antecipadamente o limite das minhas palavras, pois uma desatenção ou imperícia dá trabalho para (des)fazer bem estilo datilográfico (não tem “Backspace” na vida).
    Nunca consegui datilografar olhando apenas para o papel e agora continuo digitando olhando para o teclado, catando milho ao longo dos anos, de forma cada vez mais negligente, pois agora tem a facilidade da efemeridade.
    Tem coisa que mudam sem mudar...

    ResponderExcluir

BRIGADU, GENTE!

BRIGADU, GENTE!
VOLTEM SEMPRE, ESTAMOS ESPERANDO... NO MURINHO DO ADIL