Véspera
de feriadão, sou obrigado a remarcar alguns pacientes de segunda para hoje.
Entre eles, esse moço aí do título. E, antes que me condenem pela incorreção no
uso do termo, quero dizer que tem um motivo que vocês verão mais adiante.
Ele chega
sempre uns cinco minutos adiantado e, tenso, não se senta: fica consultando o
celular, passando mensagens e andando de um lado para o outro. Não o chamo
imediatamente assim que chega a hora marcada e esses dois minutos de espera
parece que lhe são séculos de sofrimento.
Com
respiração ofegante, finalmente entra no consultório e, enquanto não fecho bem
as duas portas, não começa a falar. Ainda gagueja um pouco:
- O...
pastor disse que acha des... necessário eu ficar fazendo análise.
Pergunto:
- Você
contou que estava? – ao que ele responde:
- Não,
foi a minha (pausa) mãe.
Apesar da
designação preconceituosa, devo dizer que é um moço elegante, altivo. Usa
roupas discretas, embora o tênis seja um tanto estrambótico, pois, apesar de
lembrar uma botina, é excessivamente colorido (diz ele que o modelo é Air
Royal).
O motivo
que o trouxe até aqui, a queixa principal era uma demanda da mãe que, segundo
ele, estaria inconformada pelo fato de, aos vinte e dois anos, ainda não ter
uma namorada. “Nem beijar na boca, eu beijei”, confidencia-me, e baixa os olhos
como se isso fosse a maior vergonha do mundo.
- Acredita
que eu nunca fiquei com uma menina? – pergunta. Devolvo:
- E com
meninos?
- Como
assim? – desconcerta-se.
- Você
disse que nunca ficou com uma menina e eu perguntei: e com meninos? – repito.
- Sim –
responde, e é como se tentasse falar alguma coisa, mas a voz não saía. Tento ajudá-lo:
- E???
- Foi bom
– conclui.
Percebo o
motivo do xingamento que, segundo ele, lhe fizeram na faculdade e, como não
conseguia articular o nome, escreveu numa pequena folha de papel a palavra “veado”,
assim mesmo com esse “e”.
Está mais
calmo, mas insiste na questão:
- Eu
preciso arrumar uma namorada. Só assim minha mãe vai ter paz e, quem sabe,
entrar na igreja de cabeça erguida. Será que vai demorar?
Sem
perceber, encerro a sessão um minuto mais cedo. Ele sofre, mas admiro a sua
coragem de vir. Pela persiana, entreaberta, prenuncio grandes turbulências.
Crônica:
Jorge Marin
Foto:
frame do filme “Brokeback Mountain”
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