sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O VEADO


Véspera de feriadão, sou obrigado a remarcar alguns pacientes de segunda para hoje. Entre eles, esse moço aí do título. E, antes que me condenem pela incorreção no uso do termo, quero dizer que tem um motivo que vocês verão mais adiante.

Ele chega sempre uns cinco minutos adiantado e, tenso, não se senta: fica consultando o celular, passando mensagens e andando de um lado para o outro. Não o chamo imediatamente assim que chega a hora marcada e esses dois minutos de espera parece que lhe são séculos de sofrimento.

Com respiração ofegante, finalmente entra no consultório e, enquanto não fecho bem as duas portas, não começa a falar. Ainda gagueja um pouco:
- O... pastor disse que acha des... necessário eu ficar fazendo análise.
Pergunto:
- Você contou que estava? – ao que ele responde:
- Não, foi a minha (pausa) mãe.

Apesar da designação preconceituosa, devo dizer que é um moço elegante, altivo. Usa roupas discretas, embora o tênis seja um tanto estrambótico, pois, apesar de lembrar uma botina, é excessivamente colorido (diz ele que o modelo é Air Royal).

O motivo que o trouxe até aqui, a queixa principal era uma demanda da mãe que, segundo ele, estaria inconformada pelo fato de, aos vinte e dois anos, ainda não ter uma namorada. “Nem beijar na boca, eu beijei”, confidencia-me, e baixa os olhos como se isso fosse a maior vergonha do mundo.

- Acredita que eu nunca fiquei com uma menina? – pergunta. Devolvo:
- E com meninos?
- Como assim? – desconcerta-se.
- Você disse que nunca ficou com uma menina e eu perguntei: e com meninos? – repito.
- Sim – responde, e é como se tentasse falar alguma coisa, mas a voz não saía. Tento ajudá-lo:
- E???
- Foi bom – conclui.

Percebo o motivo do xingamento que, segundo ele, lhe fizeram na faculdade e, como não conseguia articular o nome, escreveu numa pequena folha de papel a palavra “veado”, assim mesmo com esse “e”.

Está mais calmo, mas insiste na questão:
- Eu preciso arrumar uma namorada. Só assim minha mãe vai ter paz e, quem sabe, entrar na igreja de cabeça erguida. Será que vai demorar?

Sem perceber, encerro a sessão um minuto mais cedo. Ele sofre, mas admiro a sua coragem de vir. Pela persiana, entreaberta, prenuncio grandes turbulências.

Crônica: Jorge Marin
Foto: frame do filme “Brokeback Mountain”

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