Tô eu
tranquilo em minha humilde residência, exercendo aquele sábio costume mexicano
que se chama siesta após o almoço, quando toca o interfone. Atendo, já meio
contrariado, quando uma voz pergunta:
- Aí é o
apartamento do seu Sebastião? – e, já impaciente, respondo:
- O
Sebastião é no 502.
Mas o
cara lá embaixo não desiste:
- Aqui no
meu documento de entrega diz que ele mora no 401!
Nessa
hora, confesso que, um pouco sem paciência, desligo e fico pensando: o que será
que esse despertador de aposentados pretende? Será que ele quer que eu suba lá
no apartamento 502 e traga o Sebastião para morar comigo? Ou será que ele quer
que eu mude meu nome para Sebastião para que, conferindo com o seu documento de
entrega, ele possa entregar a encomenda que eu não pedi?
Pode
parecer bizarro, mas um grande problema atual, talvez um dos maiores, é a
tendência que temos em acreditar no que está escrito. Antigamente, talvez tal
costume fosse até justificável pois, como a maioria das pessoas não sabia ler,
quando algum douto leitor falava, todos acreditavam.
Mas, nos
dias atuais, me parece uma bizarrice. Cito um exemplo: um dos temas mais
discutidos, a questão da condenação do homossexualismo na Bíblia, é respaldada
num trecho do Levítico (originalmente um manual de normas de uma das tribos de
Israel): “Não se deite com um homem como quem se deita com uma mulher; é
repugnante”.
Essa
máxima é citada como se fosse uma condenação eterna. No entanto, quem se dá ao
trabalho de conferir a escritura, antes de condenar, vai ver que esse capítulo
18 é um manual que recomenda aquelas pessoas com as quais não devemos nos
envolver sexualmente. São as seguintes: a sua mãe (bem freudiano, não é?), a
sua madrasta, a sua irmã, a sua neta, a sua tia, a sua nora, a sua cunhada, uma
mulher e a filha dela ao mesmo tempo, uma mulher menstruada, a mulher do
próximo, o citado outro homem e um animal.
Nós,
casados, só podemos fazer sexo com a nossa própria esposa e, mesmo assim, para
reprodução. A esposa é descrita, em Provérbios 5:19, como: “amável corça,
graciosa cabra-montesa. Que os seus seios o satisfaçam todo o tempo. Que o amor
dela sempre o extasie”. Por aí, também dá pra ver que teremos problema, pois,
ao exortar a nossa amada, após concluídas as tarefas do dia, para nos extasiar
como “está escrito”, dizendo:
- E aí,
cabra-montesa, vai rolar? – possivelmente, teremos algum tipo de concussão.
A própria
Bíblia, nos Salmos 14 e 53, diz “Deus não existe!”. Quando leio esse trecho,
até meio profano, sou despertado da minha viagem pelo barulho estridente do
interfone. É o tal entregador:
- O sô
Sebastião já chegou? - corro para a Bíblia e procuro, avidamente, aquela parte
dos raios caindo sobre a terra. Acho que é no Pentateuco.
Crônica:
Jorge Marin
Foto: cena
da peça Hermanoteu na Terra de Godah, da Companhia de Teatro Melhores do Mundo,
disponível em http://portalpopcorn.com.br/her%C2%ADma%C2%ADno%C2%ADteu-na-terra-de-godah-retorna-ao-citi%C2%ADbank-hall/
Uma interessante reflexão bíblica!
ResponderExcluirJá pode sair por aí catequizando jovens espíritos.