Sentado
em meu consultório, na sexta-feira, às nove da noite, sonho com um “bolo” do
meu próximo paciente, que me abriria as portas para um chope, ou, na pior das
hipóteses, um banho quente e o último episódio de Walking Dead.
No
entanto, ele chega (eu sabia!), e entra de cabeça baixa :
- Boa
noite, doutor! – diz a única pessoa no mundo a me chamar assim. É ele, o Corno.
Não é nenhum nerd ou monstro. O meu corno é bem-apessoado, uns 35 anos e uma aparência
jovial. Se não fosse uma coisa tão extinta, diria que ele tem abotoaduras na
camisa impecavelmente lisa. É um homem de bem, dirão todos que o virem.
- Vi a
Cláudia ontem, na fila do cinema! – A Cláudia é a ex-mulher, trabalha no setor
de RH de uma multinacional, ele é broker (mexe
com venda de valores mobiliários e bolsa de valores). A gravidade com que me
conta sobre a visão da ex-mulher me indica que ela não estava sozinha.
- Ela é
muito descarada mesmo. Nem nos separamos ainda, no papel, e já sai por aí com
aquele cara. - “Aquele” cara é um colega de empresa, acho que um chefe ou coisa
parecida.
No
entanto, ele mantém uma aparência tranquila, até mesmo excessivamente clean, enquanto, por dentro, muitos sentimentos
vão remoendo. Na primeira consulta, veio chorando, muito nervoso. É curioso
notar que, apesar de insultá-la às vezes, tem uma certeza, quase bíblica de que
a culpa do caso dela é dele. Acho que é uma dessas “verdades” culturais: se o
marido trai, é porque é safado; se for a mulher, é porque o marido é fraco.
Faz o mea culpa:
- Fui
muito ausente, doutor, eu viajava muito para atender a alguns clientes. Muitas
vezes, chegava cansado; sabia que ela queria sair para jantar, passear, e eu
preferia ficar em casa. Acho que a coisa foi acumulando.
- Você
acha que, se tivesse dedicado mais tempo e atenção à Cláudia, nada disso teria
acontecido?
- Tenho
certeza que não – responde, até com um certo brilho nos olhos.
Diante de
tamanha certeza, encerro a sessão. Ele sai pela porta um pouco mais altivo.
Acho que eu devia ler mais Nelson Rodrigues e menos Lacan. Pego o casaco, apago
a luz e corro para o elevador. Afinal, ainda é sexta-feira, “o dia em que a
virtude prevarica”.
Crônica:
Jorge Marin
Foto : disponível em http://www.huffingtonpost.co.uk/nick-clements/3-false-male-myths_b_4548504.html
Deliciosa crônica psicológica!
ResponderExcluirSeria uma cronicológica?
Enfim... o sr. Freud ficaria satisfeito em acompanhar esta sala, ao mesmo tão íntima e pública, com nuances de um individual que, na possibilidade de reconhecimento, facilmente se apresenta geral.
Aguardo as próximas aventuras terapêuticas no consultório do compadre!