Quando se
fala em Big Brother, normalmente se pensa no programa de televisão que todos criticam,
mas a maioria assiste. Há também uma referência ao livro “1984”, do escritor
inglês George Orwell, que descreve uma sociedade imaginária na qual tudo é
feito de forma coletiva, exceto a vida privada, que cada um vive sozinho.
Quando
digo vida privada aí, há uma correção a fazer, pois cada pessoa é vigiada o
tempo todo por um poder onipresente chamado, justamente, de Big Brother.
Bom, mas
e o que temos nós a ver com isso? Vocês que me leem têm toda a sorte do mundo,
pois, enquanto estão aí lendo, os mecanismos de pesquisa da Internet estão
registrando e monitorando as suas preferências. Imaginem se estivessem num site impróprio: amanhã cedo receberiam
algum tipo de propaganda de algemas, ou o anúncio de uma liquidação de pole dance, quem sabe?
Recebi
uma ligação ontem na qual uma moça muito educada identificou-se como
representante do meu cartão de crédito. Confesso que quase desliguei pensando
tratar-se de telemarketing, mas, como
ela sabia muitas coisas a meu respeito, escutei:
- Senhor,
parece que o seu cartão foi clonado, e teremos que substituí-lo – disse a tal
moça.
Quando
perguntei como foi que eles tinham chegado à conclusão de que o meu cartão
teria sido clonado, ela respondeu que havia um compra de roupas masculinas em
dólar, e acrescentou: “o senhor nunca compra roupas masculinas com o seu
cartão!” (parecia até minha mulher falando). E ainda me lembrou que,
normalmente, tenho gasto dinheiro em livros de filosofia, psicanálise e
budismo.
Pensei:
pronto, estou no BBB! Perguntei à moça do cartão se, por acaso, eles lá ficavam
olhando e comentando uns com os outros sobre as coisas que a gente compra. Ela disse
que não, que os dados eram confidenciais, mas que eram utilizados para a minha
segurança, tanto que a tal compra de roupas masculinas não era mesmo minha.
No entanto,
fiquei pensando: se era para a minha segurança, por que é que estou me sentindo
tão inseguro? Por que me sinto tão intimidado quando entro em uma loja e vejo
aquele tradicional “sorria, você está sendo filmado”? Mesmo na rua, em frente à
minha casa, tem uma baita câmera que me filma 24 horas por dia.
Acho que,
quando se fala em sociedade socialista ou fascista, o meu medo continua sendo o
mesmo que o meu pai tinha há cinquenta anos atrás: que te mandem para o paredão
(hoje reinventado). Será que é isso?
Crônica:
Jorge Marin
Foto : frame
do filme Sleeper, de Woody Allen
Reflexão muito boa. Estamos mesmo num BBB. E eu me pergunto: até onde isto irá?
ResponderExcluirMika
Bem, Mika, como (aparentemente) não temos aqui o nefasto Quarto 101 do livro, não precisamos seguir o destino do Winston e passar a amar o Big Brother. Acho que saber como o sistema funciona já é um bom começo. Dizem os budistas que somos livres se acordarmos do mundo das aparências.
ExcluirA sensação que tenho é que a vigilância externa aumenta na mesma medida em que diminui a noção de vigilância interna, aquela associada ao caráter e outras posturas pessoais e sociais.
ResponderExcluirSerá que nossas condutas (sejam as ativas ou passivas) vão transformar nossa vida numa daquelas equações de matemática que terminam em zero depois de dar o maior trabalho?
Interessante, Sylvio, você pode ter levantado uma importante questão, pois, realmente, à medida em que a moral deteriora, a sociedade se vê tentada a reforçar os mecanismos protetores da ética. Nada mais é que cópia tecnológica daquele anjo que ficava na porta do Jardim do Éden com uma espada flamejante na mão (acho que era Gabriel) para evitar que o homem (e a mulher) voltem. No entanto, da serpente, que instilou todo aquele fuzuê, não se tem notícia até hoje.
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