sexta-feira, 21 de novembro de 2014

QUANDO A VIDA NÃO ERA COMPLICADA


Costumo dizer que a “nossa” geração (referindo-me aqui aos nascidos entre 1955 e 1969 mais ou menos) tem passado muitos apertos. Antes disso, a vida era bem menos complicada, pois, a exemplo dos seres ditos naturais, as pessoas faziam exatamente aquilo que delas se esperava: assim a totalidade das respostas para os problemas da vida encontrava-se em algum manual de conduta, seja a Bíblia, ou a tradição familiar, chegando até os regulamentos escolares e, após 1964, aos preceitos da Educação Moral e Cívica.

Não digo que era melhor ou pior, mas, com certeza, era mais fácil. Entre as dúvidas cruéis que hoje assolam os nossos filhos, como, por exemplo, a escolha da profissão, “naquele” tempo era tranquilo: se a pessoa era muito rica ou muito pobre, certamente seguiria a profissão do pai. Explico: filho de médico, por exemplo, ainda hoje tida como uma profissão rentável, certamente iria seguir os passos do pai e se tornar médico. Por outro lado, um filho de pedreiro que, antigamente, era uma profissão humilde, dificilmente chegaria a completar o quarto ano de grupo e seguiria os passos do pai.

No campo amoroso, então, era tudo muito fácil: moças se casavam virgens (conceito pouco compreendido por pessoas nascidas depois de 1980 – vide Google) com rapazes bem intencionados que, jovens, queriam prosperar em seus empregos estáveis e, pasmem, constituir família!

De repente, fruto da “decadência dos costumes” como dizem uns, ou pela morte de Deus decretada por Nietzsche pouco antes de surtar de vez, o fato é que, de uma hora para outra, passamos a ter que “nos virar”. Havia um programa na TV Tupi que chamava Papai Sabe Tudo, mas a televisão parou de exibi-lo e, jovens, achávamos que os velhos não sabiam mesmo de nada.

O problema é que o tempo passou, nossos velhos se foram, tornamo-nos céticos demais para aceitar velhos manuais, ou orgulhosos demais para reconhecer certas sabedorias familiares. E o que nos restou? Angústia!

Adaptando um pouco o pensamento do filósofo Schopenhauer que era uma espécie de doutor em angústia, podemos afirmar que nossa vida é um filme de aventuras onde a gente morre no fim, ou um filme de comédia em que morremos no fim, ou um romance em que morremos no fim, ou mesmo um filme cerebral sueco em que também morremos no fim. A boa notícia é que, atualmente, podemos dirigir esse filme. A má notícia é que as cenas não podem ser refilmadas.

Assim, cadáveres adiados que procriam, como nos definia Fernando Pessoa, vamos seguindo em frente. Talvez a nossa grande descoberta hoje seja a de que podemos, sem manuais ou, pior, com milhões deles, cometer os mesmos erros que nossos pais cometeram, ou erros diferentes, e até mesmo alguns acertos.

Escrevendo esta crônica, recebo um e-mail do compadre Serjão dizendo que um sabiá laranjeira fez o ninho em seu pé de caqui. O sabiá não erra, pensei, e o caqui continua vermelho como sempre.

Crônica: Jorge Marin
Foto     : Mah Nava, disponível em https://www.flickr.com/photos/14302299@N05/6918454908/

3 comentários:

  1. Se o negócio é não complicar, o que posso dizer deste texto é que ele está simplesmente perfeito!
    Como convém à perfeição, nada há o que retirar ou acrescentar. Resta-me admirar a capacidade de percepção e expressão deste cronista meu amigo.

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    1. Aprendi com o Serjão, Sylvio: o sabiá sabieia, o caqui caqueia; então o blog blogueia.

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