Arte fractal por Zephir Analea
No domingo
passado, após a vitória do Botafogo sobre o São Paulo, causou estardalhaço a
decisão do jogador Herrera, autor de três gols, de não pedir uma música para o
Fantástico. Por um lado, os “contestadores”
apoiavam a atitude do jogador que teria ousado desafiar a hegemonia da Rede
Globo, enquanto outros o julgavam “um babaca que queria aparecer; afinal, todo
mundo pede”.
Na mesma
edição do festejado programa dominical, outra notícia catalogada pela mídia
como “explosiva”: a revelação de abuso sexual feita pela apresentadora Xuxa.
Num e
noutro caso, sem entrar no mérito das questões envolvidas, uma tendência se
revela: a confusão, muito comum em tempos de bebebês e fazendas, em confundir o
que é da esfera pública e da privada. E notem
que a privada aqui pode até ser substantivo!
Para que
se tenha uma boa medida do que significa uma coisa e outra, acho que poderíamos
iniciar perguntando ao telespectador o que é do seu interesse. Eu, por exemplo, não tenho o menor interesse
em saber de qual música o artilheiro botafoguense gosta. Bem como, não me causa nem uma gota de
curiosidade saber da vida particular da apresentadora global.
E o
pior é que, se esta exposição de intimidades se limitasse à televisão, a coisa
já estaria de bom tamanho. Mas não. Estamos caminhando pela rua e, do nada, vem
uma mulher, aos berros, no celular dizendo que “eu sei que você ficou com
aquela piranha e quero que você se f...”
E isso na hora em que estamos levando a criançada para o colégio, a uma
tarde, em plena Avenida Rio Branco.
Antigamente,
dizia-se que as pessoas se frustravam, não podiam dar vazão à intensidade dos
seus desejos. Surgia, assim, a figura do
recalque, tão presente nos consultórios psicanalíticos. Nos dias atuais, parece que o recalque foi
varrido, da parte inferior dos tapetes do inconsciente, diretamente para o
mural do Facebook. Não basta mais se
liberar: é preciso compartilhar, exibir, tornar público!
E essa
não é uma constatação que afeta apenas a moral e os bons costumes, como se
dizia nos tempos de censura. A exposição
pública elimina a figura do outro, aquela outra pessoa com a qual era comum
compartilhar os momentos íntimos. Ao
eliminar a figura daquele outro que, de certa maneira, nos julgava, ou melhor
dizendo, ao deletar aquela instância individual da qual recebíamos mensagens,
ficamos à mercê da apreciação pública que, na falta de um modelo unificado,
acaba sendo a mídia. Por isso, o assujeitamento
às regras do fantástico, aí nos dois sentidos.
A coisa
se torna tão séria ao ponto de uma atriz, que se orgulha do fato de não expor
sua intimidade, de forma alguma, ao desfrute público, ter roubadas fotos
íntimas, para, justamente, serem divulgadas na grande rede. Os comentários são absurdos: “bem feito, não
quis se exibir na revista, agora está aparecendo de graça.” Como se, depois do advento do zoológico
humano, todos tivessem a obrigação se mostrar.
E
rimos, damos gargalhadas, esquecendo que tudo isso é uma tremenda violência,
pois, tanto as fotos roubadas da atriz, quanto o depoimento dito bombástico da
apresentadora, e até mesmo a não-música do jogador, recebem o mesmo peso, a
mesma medida. São mercadorias,
negociadas, patrocinadas e exibidas nesse fantástico show das vendas.
(Crônica:
Jorge Marin)
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