quarta-feira, 23 de maio de 2012

ZERG RUSH, DEVORADOS PELA INFORMAÇÃO

Arte fractal por Zephir Analea

No domingo passado, após a vitória do Botafogo sobre o São Paulo, causou estardalhaço a decisão do jogador Herrera, autor de três gols, de não pedir uma música para o Fantástico.  Por um lado, os “contestadores” apoiavam a atitude do jogador que teria ousado desafiar a hegemonia da Rede Globo, enquanto outros o julgavam “um babaca que queria aparecer; afinal, todo mundo pede”.
Na mesma edição do festejado programa dominical, outra notícia catalogada pela mídia como “explosiva”: a revelação de abuso sexual feita pela apresentadora Xuxa.
Num e noutro caso, sem entrar no mérito das questões envolvidas, uma tendência se revela: a confusão, muito comum em tempos de bebebês e fazendas, em confundir o que é da esfera pública e da privada.  E notem que a privada aqui pode até ser substantivo!
Para que se tenha uma boa medida do que significa uma coisa e outra, acho que poderíamos iniciar perguntando ao telespectador o que é do seu interesse.  Eu, por exemplo, não tenho o menor interesse em saber de qual música o artilheiro botafoguense gosta.  Bem como, não me causa nem uma gota de curiosidade saber da vida particular da apresentadora global.
E o pior é que, se esta exposição de intimidades se limitasse à televisão, a coisa já estaria de bom tamanho.  Mas não.  Estamos caminhando pela rua e, do nada, vem uma mulher, aos berros, no celular dizendo que “eu sei que você ficou com aquela piranha e quero que você se f...”   E isso na hora em que estamos levando a criançada para o colégio, a uma tarde, em plena Avenida Rio Branco.
Antigamente, dizia-se que as pessoas se frustravam, não podiam dar vazão à intensidade dos seus desejos.  Surgia, assim, a figura do recalque, tão presente nos consultórios psicanalíticos.  Nos dias atuais, parece que o recalque foi varrido, da parte inferior dos tapetes do inconsciente, diretamente para o mural do Facebook.  Não basta mais se liberar: é preciso compartilhar, exibir, tornar público!
E essa não é uma constatação que afeta apenas a moral e os bons costumes, como se dizia nos tempos de censura.  A exposição pública elimina a figura do outro, aquela outra pessoa com a qual era comum compartilhar os momentos íntimos.  Ao eliminar a figura daquele outro que, de certa maneira, nos julgava, ou melhor dizendo, ao deletar aquela instância individual da qual recebíamos mensagens, ficamos à mercê da apreciação pública que, na falta de um modelo unificado, acaba sendo a mídia.  Por isso, o assujeitamento às regras do fantástico, aí nos dois sentidos.
A coisa se torna tão séria ao ponto de uma atriz, que se orgulha do fato de não expor sua intimidade, de forma alguma, ao desfrute público, ter roubadas fotos íntimas, para, justamente, serem divulgadas na grande rede.  Os comentários são absurdos: “bem feito, não quis se exibir na revista, agora está aparecendo de graça.”  Como se, depois do advento do zoológico humano, todos tivessem a obrigação se mostrar.
E rimos, damos gargalhadas, esquecendo que tudo isso é uma tremenda violência, pois, tanto as fotos roubadas da atriz, quanto o depoimento dito bombástico da apresentadora, e até mesmo a não-música do jogador, recebem o mesmo peso, a mesma medida.  São mercadorias, negociadas, patrocinadas e exibidas nesse fantástico show das vendas.

(Crônica: Jorge Marin)

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