quarta-feira, 16 de maio de 2012

ESSE MENINO, O CABRAL...


 Cabral marcando Serjão, sob o olhar de Marcus Dadalti
Cabral, Jorge Marin, Sílvio Heleno e Serjão

Naqueles anos 70 vivíamos o auge de nossa juventude e as histórias aqui no blog não me deixam mentir que, a cada ano que passava, tínhamos motivo para dizer que “este é o melhor ano de nossas vidas”.  Rock, futebol, jornal, teatro, pagode, botequim e azaração eram nossas atividades frenéticas.
Em 1976, tínhamos um tipo de confraria, que funcionava no Bar do Augustinho, em frente ao Cine Brasil: eu, Nilson Baptista, Marcus e Luís Augusto Dadalti, Júlio e Geraldo Lima, Veroaldinho Soares, Heleno Porquinho, Antônio José Albertoni, Camilo Pontes e mais um tanto de habitués que compunham uma fauna eclética, política e artística.
Mas não vou falar das nossas glórias esportivas, com o nosso clube, o Pingão, nem do comprometimento político que ajudou a fundar o MDB sanjoanense e nem do bloco carnavalesco Os Espantalhos.  O assunto é outro: quando começamos a aprender a tocar nossos instrumentos para a bateria do bloco, precisávamos de alguém para o surdo mas, desastrados e completamente sem ritmo, precisávamos de uma pessoa para fazer a marcação.
E tinha esse menino, o Cabral, mais jovem do que nós, mas que insistia em nos acompanhar.  Menino na idade, mas bem mais alto do que todos nós, e bem mais forte, costumava catar algum dos confrades etilicamente prejudicado, jogar nas costas e entregar em domicílio.  E ainda ouvir uma esculhambação da mãe do bebum.
Cabral não era de falar muito, escutava pacientemente a doutrinação do Nilson e do Júlio, carregava aquele surdo pesado pelo morro do Ginásio do Sô Bi acima, onde nos sentávamos, no sábado à tarde para ensaiar. Ignorando aquela bateção de latas e aquela irritante falta de ritmo, Cabral tocava o seu instrumento com precisão, como se fosse uma extensão do seu coração. Sabia de cor o repertório, aprendia de primeira as paródias que eu fazia e, se pintasse alguma confusão, era o nosso leão de chácara.
A verdade é que o tempo passou e, como todos sabemos, até bem rápido: cada um foi cuidar de sua vida, empregos, filhos, essas coisas, contribuindo, como dizia o Raul, para o nosso belo quadro social.
Não o Cabral!  O Cabral continuou em São João, na dele, como se o tempo não tivesse passado.  Vinham lhe falar de uma realidade urgente, pesada, necessária, mas ele dava de ombros.  Andava pelas ruas, às vezes com um olhar perdido, como se o sonho não tivesse acabado (e notem que o sonho não acabou).  Ficava sentado no beco da União, conversava com as pessoas e, de vez em quando, ficava lendo uns papéis que pegava na Internet, segundo ele importantes pesquisas que só interessava às pessoas inteligentes.
Nós, na nossa corrida infinita para fazer um monte de coisas, ganhar um monte de dinheiro e viver um monte de experiências, segundo os padrões globais, maravilhosas, acabamos nos esquecendo do Cabral.  Vocês pensam que ele se importava?  De jeito nenhum.  O Cabral não cobrava nada de ninguém.  E foi ficando cada vez mais calado.  Às vezes, se lembrava do seu time de coração, e urrava apaixonadamente: Flumineeeeeense!  E voltava à sua introversão.
Pois é, o Cabral, esse ser humano extraordinário, que não escreveu um livro, nem gravou um disco e nem ficou rico, deixou, sem avisar ninguém, de viver esta vida no sábado passado.  E ficamos nós aqui, sem a sua marcação cardíaca, dispersos, desastrados e completamente sem ritmo.

(Crônica: Jorge Marin) 

3 comentários:

  1. Certa vez, enquanto, ao passar distraidamente próximo ao Beco da União, fui surpreendido, quando bem em minha frente, pulou o amigo Cabral tocando a introdução de uma famosa musica da banda The Purple. Dizia ele: Já imaginou o Pitomba tocando essa musica, Serjão? Confesso que levei um baita susto, juntamente com todos aqueles que estavam passando próximo ao local. Mas tudo se transformou numa inocente festa, regada de boas risadas e muitas recordações. Não poderia ser diferente, pois desta forma, é que sempre viveu nosso amigo Cabral.
    Serjão Missiaggia

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  2. No fundo da primeira foto Cantõe e em primeiro plano de costas Daniel que tocou nos Cobrinhas

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  3. Agradeço de coração pela linda homenagem... e cofesso que são fatos que eu desconhecia... vou imprimir e mostrar pra nossa mãe que tenho certeza ficará orgulhosa... Um grande abraço!

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