quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O QUE HÁ DE NOVO NO DIVÃ - IV

Arte digital por Mariano Leonardi

Reabro o consultório e fico esperando os “bodes” das festas de final de ano. Geralmente esses são de duas ordens: aqueles que não suportam ficar consigo mesmos (ou com os pais, ou com os cônjuges, ou com os filhos) e aqueles que cometeram excessos. Os primeiros têm uma tendência meio depressiva e os últimos, geralmente, chegam mergulhados em culpas. Sem dúvida, o período festivo é um poderoso incremento das neuroses.
A primeira paciente do ano contradiz minhas expectativas, os pacientes sempre nos contradizem, e não traz, nem a aura depressiva dos “em férias”, e nem o olhar arrependido dos ressaqueados. Unhas feitas, aparência de quem vai quase diariamente ao cabeleireiro, sorriso de avatar de Facebook, senta-se e diz:
- Estou com ódio de mim, mas, ao mesmo tempo, acho que fiz a coisa certa. Foi no réveillon, sabe?
Parece não saber bem como começar. Assume ares de adolescente, embora, neste ano, vá se tornar uma balzaquiana, termos sinônimos no século XXI.
- No meio da festa, chegou, de repente, um cara: sabe o Taylor Lautner?
Concordo com o olhar, embora minha cultura cinematográfica não seja assim tão crepuscular.
- Pois é, era exatamente igual ao Jacob! (Fico pensando: quem é Jacob, meu Deus? Mas, em seguida, consigo entender.) Ele veio direto pra mim, pediu licença para sentar e começou uma conversa superagradável.
Ela continua falando e eu, preconceituoso como não devia ser, fico pensando: ele é mais novo, ele é mais novo.
- Aí, do nada, ele chegou aquele rosto maravilhoso, como se fosse falar uma coisa no meu ouvido, e tentou me beijar. E, não sei porquê, eu não deixei.
- Você não sabe? – pergunto, desafiando-a.
- Sei lá, a conversa estava legal. Quer dizer, numa balada, não se pode esperar mesmo grande coisa, porque não é de uma redação do Enem que se trata.
- E-nem, repito. E ela continua:
- Acho que essa história de fazer 30 anos está mexendo com minha cabeça, estou ficando velha. Eu nunca tenho problema algum em ficar com ninguém. Mas, aconteceu uma coisa meio louca: vendo aquele cara chegar e, sem mais nem menos, tentar me beijar na boca, me deu um certo nojo. Você sabe que eu não tenho muita ilusão em relação às pessoas, e entendo que os homens, normalmente, somem no dia seguinte. Também, com a explosão de oferta...
Para, fica pensativa, quase chora. Eu ia dizer “pra não manchar a maquiagem”, mas ela quase não usa, talvez uma base suave e nada mais.
- Onde é que eu parei?
- Você disse que não tem ilusão.
- Ah, é... Mas é mentira: eu tenho, sim, ilusão. Às vezes, acho que é possível encontrar uma pessoa que não esteja só a fim de te pegar. Quer dizer, isso também. Mas, que não chegue e vai botando a mão, como se a gente fosse uma fruta numa gôndola de supermercado. Eu queria um homem que tentasse me conquistar. Acho que o meu lobisomem lá se cansou porque, uns vinte minutos depois, saiu e nem pegou meu telefone. Eu queria um cara que não se importasse de passar o resto da noite comigo. E ligasse no dia seguinte, e postasse uma declaração de amor no meu mural. Será que eu vou encontrar uma pessoa assim algum dia?
- Na balada? – devolvo a pergunta. E ela, mineira:
- Uai, e onde mais?

(Crônica: Jorge Marin)

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