Foto publicada no blog www.saudemedica.com
Normalmente, eu não atendo crianças em meu consultório. Não tem a ver com a “doutrina” psicanalítica ou nada parecido: é tão somente porque não tenho aquele aparato que, normalmente, os consultórios de psicologia para crianças possuem: brinquedos, lápis de cor, bola, espada, essas coisas.
No entanto, atendendo ao pedido de uma colega, recebo a mãe do Lucas para uma entrevista. Eu nunca atendo uma criança sem, primeiramente, ouvir a mãe, por umas duas, ou até três vezes.
É uma mãe bem “mãe” mesmo:
- Gente, desculpa pelo atraso, mas você sabe como anda o trânsito e, antes de vir para cá, tive de deixar a Larinha no balé e o Lucas no kung fu. Olha, não é nada do que você está pensando não. Colocamos ele no kung fu porque o instrutor lá é uma pessoa maravilhosa, ele já esteve no Tibet e obriga as crianças a meditarem antes de lutar. A nossa esperança é que ele pudesse dar um jeito no Lucas.
Eu, que não estava pensando (só ouvindo), começo a pensar que essa pessoa agitada e defensiva pode, ela sim, ter algum tipo de problema. Enquanto ela continua falando, sobre outras aulas – parece que os filhos fazem curso de inglês também – fico imaginando como é que um mestre oriental faz para obrigar as crianças a meditarem.
- Afinal, qual é o problema do Lucas?
- Ah, não te falei não? Ele tem TDAH!
Aqui eu não posso, mas já me irrito, porque não suporto essa história de todo mundo ter uma sigla: é TDAH, é TOC, é DDA, DID, MPD e por aí vai. Meio irritado, coisa que eu não posso estar nesse momento, faço um comentário:
- Ele tem muita atividade, não?
- Não, doutor, ele tem é hiperatividade.
Ih, me chamou de doutor, e eu não tenho nem mestrado. Replico:
- Não, eu não estou falando da doença. Estou falando das coisas que você disse que ele faz. Parece que, além da escola, ele faz kung fu e inglês.
- E está no catecismo também, aos sábados. Eu pensei que você estava falando da doença. Você pensa que ele está hiperativo porque está cheio de atividades?
Devolvo a pergunta:
- Você pensa que é isso?
Mas ela não pensa. Fala, relata os sintomas: ele não fica quieto; mexe o tempo todo; faz um monte de coisas ao mesmo tempo; na escola, gosta mais do recreio; e, ainda por cima, ao invés de se concentrar no seu dever de casa, fica o tempo todo de olho na minha novela. Nada mal, para uma criança de seis anos.
- Ele faz o dever de casa perto da TV? – pergunto.
- É. É porque, enquanto ajudo ele, assisto a novela. Tem algum problema?
Mas ela nem espera minha resposta e continua falando e diz que está sofrendo muito porque foi ao psiquiatra, e este receitou um remédio controlado. Eu não resisto:
- Para ele?
- É lógico, foi o psiquiatra que disse que ele tem o TDAH, mas ele não está convencido de que ele tem H não. Acho que o caso dele é mais leve. O que é que você acha de, mesmo assim, ele ter receitado, rapidinho, o remédio?
- Ângela, psiquiatras são médicos: eles receitam remédios!
Ela parece não ter entendido o que eu disse e fica parada um instante, pela primeira vez em silêncio, com as mãos segurando a cabeça.
Volto com meus pensamentos subversivos: cara, no meu tempo nossos pais matavam a gente só pela enunciação da palavra “droga”. Hoje, aquelas “bolinhas” (anfetaminas) proibidas do nosso tempo, não só são receitadas pelos médicos, como dadas à força para as crianças.
- Gostaria que você voltasse na semana que vem, na mesma hora, ainda sem o Lucas.
- Ah, meu Deus. Não tem outra hora não, porque, nessa hora, eu faço Pilatos.
Eu sei que ela quis dizer Pilates. Mas tenho certeza de que ela falou Pilatos. Vou dar um jeito de remarcar a hora.
(Crônica: Jorge Marin)
Amei Jorge, e ao ler consegui visualiazar vc... um abraço saudoso... Regiane Magalhães
ResponderExcluirGostei muito e acredito que devemos ter muito conhecimento sobre o assunto, principalmente os pais e professores. Aguardo continuação
ResponderExcluirGostei muito e acredito que devemos ter muito conhecimento sobre o assunto,principalmente os pais e professores. Aguardo continuação
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