Foto da peça Dona Flor e Seus Dois Maridos, publicada no Jornal de Londrina, em 30.09.2010
Capítulo 3: Cutucando
NA SEMANA PASSADA, falávamos sobre invasão de privacidade. Muitos leitores têm mandado e-mails, alguns de solidariedade, outros dizendo “cruz credo, isto não vai acontecer comigo, jamais”. E este é um grande erro, que a maioria de nós comete. Fomos criados numa cultura onde o bem sempre vence o mal, onde o amor prevalece e onde os casais são felizes para sempre.
Esta coisa do bem vencer o mal, creio que muitos já deixaram para trás, depois de tantas eleições vividas. Esta outra do amor prevalecer virou uma coisa meio riponga, igual ao bicho-grilo e aquele pessoal que enchia a cara e ficava falando de Karl Marx. Finalmente, esta outra estória dos casais serem felizes para sempre... Bem, quem ainda acreditava nesta balela, pode ter certeza que, até o final deste causo, vai mudar de idéia. E muito!
Esta invasão de leito, por exemplo, que venho dolorosamente contando, é um exemplo muito esclarecedor. De repente, o casal entra em colapso. E, para ser sincero, não sei o que seria pior: aquele que está praticando o ato, ou quem está ao lado, sofrendo (nem sempre, pois às vezes se acostuma), mas, de qualquer forma, tendo que acompanhar, heróica e passivamente, o desenrolar do momento.
Para alguns, a velha receita da vovó costuma dar bons resultados, ou seja, colocar em prática o famoso chega pra lá. Conhecido também por cutucão. Pelo menos, o parceiro (ou a parceira) vai saber que você está ali. Como se dissesse: ei, vai ficar nessa por muito tempo? Ou: alôôôô, eu não morri não, viu? E não é que costuma mesmo dar uma boa aliviada? Pelo menos, interrompemos, por algumas momentos, a folgada presença daquele do qual não falamos o nome.
Mas, confesso que a nossa situação já começava a ficar fora de controle, e atingir patamares inaceitáveis. Tudo conspirava para um final trágico. Foi quando resolvemos pedir ajuda, e acreditar que alguma solução poderia existir para o nosso caso. Quando digo ajuda, quero dizer ajuda profissional. Afinal, numa situação dessas, tentar se aconselhar com parentes, ou amigos, só vai fazer o casamento chegar ao fim, pois cada um vai ter um palpite, uma opinião, e, mais grave, vai tentar apontar um vilão, ou vilã.
E vocês vão perguntar: mas, existe um especialista para solucionar problemas do terceiro na cama de casal? Se eu disser sim, sei que não daremos conta de ter que divulgar o telefone desse suposto profissional. No nosso caso, o profissional foi um médico, um psiquiatra. Não pensamos absolutamente que seria algum problema mental. Sabíamos que a coisa era bem real, mas este profissional era amigo de ambos os envolvidos, e lá fomos nós, embora a consulta tenha se desenrolado como se fosse um diagnóstico psiquiátrico:
- Vocês querem falar a respeito?
- Lógico, não agüentamos mais conviver com isto. E blá-blá-blá. Até que surgiu a pergunta que não quer calar:
- Mas, de quem é a culpa?
Ficamos lívidos. É claro que, se um faz, e o outro suporta, é porque é um ato consentido. E, de repente, nós, que costumeiramente jogávamos a culpa um no outro, concordamos, envergonhados, que a culpa era de ambos.
E, para nossa inesperada surpresa, fomos capazes de falar abertamente e descobrir que poderíamos, com algumas simples atitudes, ficar livres dele. Em primeiro lugar, teríamos que desejar isso, verdadeiramente. O passo seguinte era ser bastante disciplinados, pois, do contrário, o maldito nunca nos deixaria, podendo até mesmo aumentar a frequência de suas visitas. Voltamos, então, para outras sessões, e conseguimos alguns insights, que, bem aplicados, resolveram o problema. Para sempre.
Na próxima semana, falaremos da nossa libertação. Aguardem...
(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)
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