Foto do blog Samba de Terno, de Artur Malheiros
Capítulo I - Surpresa
Confesso que cheguei ao meu limite.
Esta tortura psicológica que, de uns tempos pra cá, vem a cada noite me visitando, vai aos poucos me levar à loucura.
O casal se encontra, se apaixona e se casa. Pronto, felizes para sempre... Mas vocês sabem que não é bem assim. Pessoas são sempre diferentes e, mais cedo ou mais tarde, estas diferenças vão aparecendo e, quando mal trabalhadas, podem representar o fim daquele conto de fadas. Eu, acho que como a maioria de todos vocês, pensava que comigo seria diferente. Não, o nosso amor é forte, e pode superar qualquer coisa.
Até que, um dia (sempre ocorre de forma inesperada, infelizmente), Ele apareceu, e daí em diante, nossas vidas têm se transformado num verdadeiro pesadelo.
E o pior é que o danado não tem hora pra chegar. Para ser bem sincero, existe sim, certa preferência, ou seja: justamente quando acabamos de adormecer, ou pela manhãzinha ou, simplesmente, quando o silêncio da noite se faz presente. E, se já estão pensando em pernilongo, sinto dizer que estão dengosamente enganados.
O invasor, vamos dizer desta forma, embora eu saiba que a culpa pode acabar sendo dos dois, chega sempre quando menos estamos aguardando. Sem ao menos nos pedir licença ou prévio aviso, aparece assim, do nada e, invadindo nossa privacidade, vai se instalando em nossa cama e bem no meio da gente!
Imoral e muitas vezes escandaloso, aparece para nos fazer companhia sem o mínimo de pudor. Também não é pulga, cachorro ou afins. Antes fosse!
Oportunista, deselegante, e que, ao se aproximar de nossos ouvidos com seu cantar irritante, nos induz a perder outra noite de sono.
Sabem como é: seguro morreu de velho e, sendo assim, deixo sempre preparada uma cama alternativa em outro quarto, principalmente quando desconfio que, naquela noite, ele virá nos visitar. Não tenho vergonha de não querer encará-lo e, até o final da crônica, vocês me darão toda a razão. Prefiro ficar bem longe. Assim, pelo menos, aquela situação desconfortável vai passando rapidinho e despercebido, ou melhor, quase despercebido, pois, quando o bicho tá pegando, fico a escutar o estrago vindo do outro lado da casa.
Faço de tudo pra não interferir, pois dizem que não é legal pro parceiro fazermos uma abordagem. Por outro lado, é muito desgastante, pois, enquanto ficamos sofrendo na escuta, percebemos que outra noite de sono vai embora, sem que nada possamos fazer. Como poderia dormir, e fingir que nada estaria acontecendo com aquela mulher que eu escolhi para passar o resto da vida? É barra! E tudo por causa do intruso sarcástico.
Já tentamos por várias vezes nos livrar dele, sei que ela também não deseja esta situação, mas reconhecemos que, em algumas noites, ele é bem mais decido que nós. Dizem que a gente acaba se acostumando, mas acho que não é tão fácil assim.
E desta forma, ainda antes de deitarmos, surge novamente aquela interrogação: será que, hoje, ele virá? E, sem que nada possamos fazer, procuramos adormecer o mais rápido possível e ficar aguardando a sua chegada.
Sei que muitas pessoas vão criticar, entendo que encarar a situação desta forma, passiva, não é a melhor solução. Eu até gostaria de conhecer outro tipo de reação, pois tenho certeza que a coisa ocorre em lares de vários amigos meus, cujo nome prefiro preservar, para não causar constrangimentos. Mas entendo que não é possível mais tapar o sol com a peneira e fingir que nada está acontecendo.
Na próxima semana, sejam solidários e acompanhem: as críticas, a incompreensão, as acusações mútuas e, oh dó, o aumento das visitas.
(Crônica: Serjão Missiaggia / Adaptação: Jorge Marin)
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