sexta-feira, 17 de setembro de 2010

ALEGORIAS E ENDEREÇOS



Capítulo 3 (FINAL) – Morro no Burro

NA SEMANA PASSADA, falamos sobre a tristeza das antigas mudanças. E, sobretudo para o criador da chamada Análise Mudançológica, como foi humilhante se ver, equilibrando-se no topo de um caminhão descoberto, exibindo a todos o seu inconsciente e particular colchão furado e sua parabólica desconjuntada.
Mas, ao contrário do que muitos possam pensar, não chegamos ainda ao fundo do poço. Para variar, cheguei também, a presenciar, certa vez, quando uma velha carroça, puxada por um burrinho, tentava a todo custo subir o morro da Igreja do Rosário.
Na oportunidade, este já quase extinto meio de transporte estava carregando uma pequena mudança, ou parte dela, que aparentava estar muito pesada. Foi superengraçado, mas confesso que fiquei com muita pena do bichinho.
Assim, sem imaginar que poderia estar prestes a me envolver naquela cena, fiquei, a principio, após sentar-me no murinho do Adil, somente a observar de longe. Dava pena!
A carroça mal conseguia chegar próxima à portaria dos Trombeteiros, quando, começava a retornar. Algumas pessoas passavam pelo local e, também sensibilizadas com aquela cena, resolveram arregaçar as mangas e começaram a dar uma força. O negócio era evitar, a todo custo, que ela retornasse. Por duas vezes, tiveram até que jogá-la de encontro a uma árvore, para que não pegasse embalo de volta.
No afã de poder ajudar, tinha gente até escorregando na calçada, de tanta força que fazia na tentativa de segurar a carroça. Enquanto panelas e vasos começavam a rolar morro abaixo, fazendo aquela barulhada na calçada, algumas pessoas ficavam em vão tentando colocar pedras debaixo das rodas. Alguns, mais exaltados, não queriam nem saber, e insistiam em ficar empurrando o animal pelo traseiro. Quando dei por mim, lá estava eu no meio da rua, bem de frente da carroça, com uma imensa corda do arreio na mão. Quem diria: eu, que nunca fui muito chegado a equinos, estava ali, tentando puxar o burro morro acima de qualquer jeito. Virou questão de honra. Não só para mim, mas também para aquela meia dúzia de heróicos voluntários.
De tanto patinar, cheguei a arrebentar meu chinelo em dois lugares. Isso depois de quase perdê-lo no meio da confusão. Numa dessas descontroladas descidas, um senhor quase ficou entalado entre a carroça e um poste. (Olha aí nosso amigo Poste! Lembram?)
Só sei que, por muito pouco, não teria acontecido uma tragédia. Se bem que, o próprio episódio, em si, já havia se tornado uma.
Era muito peso para o pobre animal que, infelizmente, teria que, mais uma vez, ser estacionado em frente à Força e Luz. Um breve descanso pro bichinho seria o mínimo que poderiam fazer, antes de recomeçar outra dolorosa subida.
E assim aconteceu, até que, depois de várias tentativas, tivemos a brilhante ideia de dar uma aliviada na carga. Retiramos a geladeira e a deixamos na calçada, para que eles a resgatassem numa segunda viagem.
E, dessa forma, aconteceu: enquanto um monte de gente começava empurrar a carroça morro acima, já se podia observar que um mundo de gente começava aparecer nas janelas!
Estava um calor sufocante e suor começava escorrer em quantidade pela testa.
Somente já quase no meio do morro é que fomos informados que o conteúdo da mudança era constituída de doações e que iríamos descarregá-la no Hospital São João.
Agora, cá pra nós, que foi engraçado chegarmos à portaria empurrando uma carroça, isso foi!
Ali, fomos orientados que as doações teriam que entrar pelo portão lateral, próximo onde é hoje o Pronto Socorro. Danou tudo! Imaginem ter que encarar mais um tanto daquele morro!
Começando então a temer por minha integridade física, dei-me por vencido, pedi desculpas, e abandonei o fronte.
Enquanto descia, ainda tive que ir dando informações àquelas pessoas da janela, que, numa curiosidade sem fim, queriam saber a todo custo, se havíamos alcançado o nosso destino ou não.
Afinal de contas, tinha gente até começando a achar que seria eu, o dono da doação ou do burro com a carroça.
UMA HOMENAGEM:
Enquanto escrevia este causo da carroça, foi inevitável não ter me lembrado de nosso heróico Dadá Lixeiro. Pena que muitos não chegaram ao menos a conhecê-lo. Era uma pessoa extremamente simples e trabalhadora, que marcou muito uma época. Com sua estatura baixa, pernas arqueadas, andar campesino, sob a proteção de um imenso chapéu de palha, e com uma enorme botina no pé, seguia com sua velha carroça e um burro, a recolher, de porta em porta, o lixo da cidade. Pendurada na carroça, seguia com ele uma inseparável vassourinha, pois, enquanto caminhava, varria cantinho por cantinho das ruas e praças por onde passava. E nem o mal tempo o impedia de realizar seu trabalho, pois, sob a proteção de uma enorme capa de chuva amarrada sobre os ombros, seguia sempre em frente, como se nada estivesse acontecendo.
Se ainda não há uma rua em seu nome, vai aí uma sugestão!

(Crônica: Sérgio Missiaggia)

7 comentários:

  1. Essa lembrança do Dada Lixeiro foi muito legal. Muitas crianças tinham medo dele, mas foi um profissional como poucos. Sozinho e Deus percorria a cidade inteirinha fazendo seu exaustivo trabalho diário.

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  2. Uma boa ação pela metade não vale. E a subida daquela Geladeira que ficou pra uma segunda viagem? Kkkkkkkkkkkk

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  3. Uma boa ação pela metade não vale! E a subida daquela Geladeira que ficou pra uma segunda viagem? Kkkkkkkkkkkkk
    Zeleno

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  4. Também nesta época existiam muitos cavalos na cidade que ficavam a fazer suas necessidades por onde passavam. Mas a vassourinha do nosso Dadá, sempre presente, dava conta do recado e mantinha nossas ruas sempre limpinhas.

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  5. E olhe que nesta carroça da foto acima nem havia geladeira e muito menos estava subindo morro. Sugiro então para esta difícil missão no morro do Rosário um Dez! E com louvor! De preferência no quesito “Grau de Dificuldade”
    abraços

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  6. Deveriam tirar o burro da carroça e colocar o dono no lugar.para ele ver como é bom!O Dadá lixeiro tinha uma verdadeira adoração pelo Bolote,que uma vez lhe deu uma sanfona de presente.Acredito que poucos saibam desse fato.Nilson Baptista.

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  7. Fiz uma viagem no tempo ao recordar do inesquecível Dadá Lixeiro. Fácil lembrar suas andanças pela cidade com aquele andar rústico, barrigão de fora e com suas calças meio que quase caindo e seguras apenas por um imenso cinto.
    Bons e inocentes tempos guardados na memória!

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BRIGADU, GENTE!

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VOLTEM SEMPRE, ESTAMOS ESPERANDO... NO MURINHO DO ADIL