terça-feira, 22 de junho de 2010

TIO PITOMBO E AS COPAS



Capítulo 3

Não adianta, eu não quero falar dessa copa! Foi outra marmelada, desta vez dos alemães. Se você quiser, eu falo dele.”

Tio Pitombo é teimoso. Entende que houve trapaça na copa de 1954 e esta pessoa, ele, é o Ferenc Puskás, um dos maiores jogadores de todos os tempos. Fala dele, então, tio, mas, antes, dê uma passadinha pela copa. Foi na Suécia?

“Não, meu filho, foi na Suíça. É que, por causa da segunda guerra, o Jules Rimet tinha transferido a sede da FIFA para Zurique, onde está até hoje. Esta copa teve dezesseis países e, principalmente por causa da seleção da Hungria – e do Puskás – tivemos a maior média de gols de todas as copas – foi 5,38 por partida. Também, veja só: na primeira fase a Hungria ganhou da Coreia do Sul por 9 a 0; da Alemanha Ocidental por 8 a 3, da gente (Brasil) por 4 a 2 e do Uruguai, que tinha sido campeão em 50, por 4 a 2 também. Teve um jogo que foi recordista em gols em toda a história da copa: foi Áustria e Suíça, que ficou 7 a 5 para os visitantes.
Nesta copa é que nós começamos a usar a camisa amarela e o calção azul (foi um gaúcho que desenhou este uniforme) porque aquele uniforme branco deu azar em 1950, lembra? A gente estava no Grupo A e aconteceu um negócio engraçado, que foi o seguinte: ganhamos do México de 5 a 0 e a Iugoslávia ganhou de 1 a 0 da França; aí, o México foi jogar com a França mas, como os dois tinham uma derrota, bastava empatarmos com a Iugoslávia e ambos os times estariam classificados para a outra fase. O problema é que os brasileiros não entenderam o regulamento direito e acharam que tinham que ganhar da Iugoslávia, jogaram como leões, os eslavos gritavam: vamos empatar que a gente passa, mas ninguém entendia a língua deles também. Com muito custo, empatamos o jogo, com um gol do Didi, aos 25 minutos do segundo tempo, e aí, quando o jogo terminou, todo mundo abriu a boca a chorar, até que um delegado da FIFA, que falava português, corrigiu o mal entendido.
A final da copa, no Wankdorf Stadium, em Berna, foi parecida com a final de 1950, no Maracanã. Como nós, a Hungria era franca favorita. Tinha mais de 60.000 pessoas no estádio. Estava chovendo bastante e o dono da Adidas fez umas chuteiras especiais (com cravos intercambiados) para os alemães. Com 4 minutos, o Puskás fez 1 a 0, com 6, já estava 2 a 0 para a Hungria. Todo mundo pensou que a Hungria ia repetir os 8 a 3 do primeiro jogo. Mas o time alemão era outro: na primeira fase, tinham jogado com o time reserva, além de muita gente afirmar que, como não tinha exame anti-dopping, os alemães terem jogado com estimulantes. Eu não sei, o fato é que eles diminuíram aos 10 minutos e empataram aos 19. Aí ficaram ali, cozinhando galo, até que, aos 39 do segundo tempo, a defesa da Hungria rebateu uma bola e o tal Rahn pegou a sobra, driblou um beque, e fez 3 a 2 para a Alemanha. Pronto: tá aí o Milagre de Berna.
O Puskáz tinha, na época, 27 anos: era baixinho, meio gordo, tinha gente que chamava ele de anão de jardim. Ele era do exército húngaro e era conhecido como Major Galopante. Passava brilhantina no cabelo e penteava pra trás, igual o nosso Heleno de Freitas, só que o Puskás era bem mais feioso. Mas, no campo, não tinha igual. Depois que a copa acabou, o time dele – o Honvéd – estava na Espanha, onde ia jogar com o Atlético de Bilbao pela Copa dos Campeões da UEFA, quando aconteceu a Revolução Húngara de 1956, que foi sufocada pelos soviéticos, o tal do Pacto de Varsóvia. O Puskáz conveceu o time dele a ficar direto na Espanha mas, como não tinham como se sustentar, ficaram fazendo exibições pelo mundo inteiro. Até aqui, no Brasil, eles vieram jogar contra o Flamengo e o Botafogo. Mas a FIFA proibiu que eles continuassem jogando até regularizar a situação com a Federação Húngara, e o Puskáz ficou assim sem eira nem beira, envelheceu, engordou até que, em 1958, teve a situação regularizada e foi jogar no Real Madrid. Dizem que, quando o baixinho chegou lá, dezoito quilos mais gordo, perguntou pro presidente do Real: o senhor me viu? Eu estou gordo. E o presidente do Real, que era o Santiago Bernabéu, este que dá nome ao estádio hoje, respondeu: isto não é problema meu, é problema seu. Naquela temporada, o Barcelona foi campeão, mas o danado do húngaro marcou 21 gols. Na outra temporada (1959/1960), ele marcou 25 gols, inclusive três na final com o Barcelona e o Real Madrid foi campeão da Copa dos Campeões. Na temporada 60/61, ele marcou 27 gols; em 62/63, 26 gols; na seguinte, 20 e, finalmente, em 65/66, e já com 39 anos, ele parou de jogar futebol. Mas, eu tenho um livro dele aqui, que eu comprei em 1998. Dá uma olhada.”

Como sempre, o tio já entrega o livro com a página marcada. O livro – Puskáz, uma lenda do futebol – até que não está muito velho. Leio a página marcada:
"Quando olho para trás, vejo que ao longo de minha vida uma única linha se desenvolveu - apenas o futebol. Foi uma linha simples, direta, sem ambições conflitantes. Desde aquele momento na minha infância quando ouvi o misterioso clamor da multidão no estádio Kispest, a apenas alguns metros de distância da janela da nossa cozinha, acho que já estava predestinado."
Puskáz morreu em 2006, de pneumonia e o seu enterro foi pago pelo Estado.
Peço para o tio, para lembrarmos de coisas mais alegres, como o Brasil em 1958. Ele arregala os olhos e fala:

“Você sabe que, naquele ano, a CBD (antigo nome da CBF) esqueceu de botar o número dos jogadores nas camisas e a FIFA é que teve de escolher aleatoriamente? Pois é, e por uma dessas coisas do destino, escolheram a camisa 10 para um reserva, um negrinho franzino, o tal do Pelé. Mas eu não vou contar esta história agora não, porque vou assistir o jogo da Argentinha: vou torcer para a Grécia.”

(Artigo - Jorge Marin)

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