quinta-feira, 17 de junho de 2010

TIO PITOMBO E AS COPAS



Capítulo 1

Tio Pitombo é aquele tipo de parente que, algumas vezes irrita, outras vezes encanta. Como todo idoso – ele já está caminhando para os 90 – gosta de elogiar os velhos tempos, bons tempos, segundo ele. Quando tenho pressa, procuro evitá-lo, mas, quando posso, escuto seus causos que, além de engraçados, falam de uma moral e de uma ética que não existem mais, mas deveriam ter continuado a existir.
Nestes dias de Copa do Mundo, seu assunto não poderia ser outro:

“Eu era menino pequeno, mas o futebol não era essa ganância que é hoje: em 1928, 29, eram todos amadores. Meu pai me dizia sempre que o Uruguai era um azougue: tinha sido campeão olímpico por duas vezes e, por este motivo, recebeu de presente daquele rapaz francês... Como era mesmo o nome daquele presidente da FIFA? Ah, sim, era Jules Rimet, pois é, o Uruguai ganhou de presente, para comemorar o centenário da independência deles, a primeira Copa do Mundo de Futebol, em 1930.
Como era de se esperar, a maioria das seleções europeias não veio pra cá por causa da demora da viagem (de navio) e também porque era muito caro. Só vieram: a França, a Bélgica, a Iugoslávia e a Romênia. Quem marcou o primeiro gol das copas do mundo foi um francês, chamado Lucien Laurent, no jogo contra o México. A França tinha um capitão chamado Villaplane que, na época da ocupação alemã, ajudou os nazistas, e acabou fuzilado por traição em 1945.
A seleção brasileira, como costuma acontecer hoje em dia, era uma grande esculhambação: por causa de briga entre as federações do Rio e de São Paulo, acabou indo um time só de cariocas, com um único paulista, um tal de Araken. Não deu outra: fomos eliminados, de cara, pela Iugoslávia por 4 a 1. Quem fez o nosso gol foi o Preguinho, que era filho do escritor Coelho Neto. O nosso goleiro, Veloso, foi o primeiro a pegar um pênalti nas copas: foi contra a Bolívia (ganhamos de 4 a 0).
A final da copa, entre Uruguai e Argentina, foi quase uma guerra de verdade: pra proteger os argentinos, que foram torcer na final, os uruguaios tiveram que colocar 10.000 policiais, uma verdadeira revolução. O mais engraçado é que o centerfor (centro-avante) da Argentina teve que faltar ao jogo com o México porque tinha prova na faculdade na mesma hora. Aí entrou o reserva dele, Guillermo Stábile, que fez três gols no jogo e acabou artilheiro da copa, com oito.
Outra coisa muito engraçada que aconteceu foi no jogo da Argentina com os Estados Unidos: o médico americano invadiu o campo pra reclamar de uma falta que o juiz tinha marcado, mas o homem estava tão nervoso, que deixou cair a sacola e a garrafa de clorofórmio, que tinha lá dentro, quebrou. Resultado: o médico desmaiou e teve que sair carregado.
Na noite anterior ao jogo final, outra polêmica: o cantor Carlos Gardel visitou a concentração da Argentina pra dar uma força, mas, depois, foi na concentração do Uruguai também. Foi um Deus nos acuda, pois os argentinos consideraram aquilo uma traição, já que o cantor era uma espécie de patrimônio nacional, embora os uruguaios jurem de pés juntos que ele nasceu no Uruguai, numa cidade chamada Tacuarembó. Eu sei é que o Uruguai acabou tacando o tacuarembó na Argentina: foi 4 a 2 num Estádio Centenário com mais de 93.000 pessoas.”

Interrompo a “viagem” do tio mas, como estou gostando do papo, pergunto pela Copa de 1934. Os olhos dele brilham. Mas, é de raiva:

“Dessa copa eu não falo porque foi pura marmelada, foi tudo armado pelo maledetto (Mussolini, a quem o tio atribui tudo o que há de pior na Itália) que, antes da copa, reuniu os juízes, principalmente um sueco chamado Ivan Eklind que apitou a final, para uma conversinha. Eu não sei do que conversaram, mas o fato é que muitos pênaltis contra a Itália deixaram de ser marcados, e muitas faltas inexistentes a favor deles foram, além dos gols contra a Itália que foram anulados. Desta vez, foi o Uruguai que não veio pra Itália, em represália ao boicote feito na sua copa. O Brasil, como de costume, continuou naquela brigalhada entre cariocas e paulistas, e já fomos eliminados de cara, pela Espanha, que ganhou de 3 a 1.
O time da Itália foi todo reforçado: o jogador Montique, que tinha sido campeão pela Argentina em 1930, foi chamado para defender a Itália com o nome de Monti e até aqui do Brasil eles levaram reforço: tinha um jogador do Corítians, chamado Filó, que também era descendente de italianos e foi defender a Azurra, com o nome de Guarisi. Ainda tinha mais dois Argentinos naturalizados: Guaita e Orsi. Na final, não deu outra: Itália 2 a 1 na Tchecoslováquia, na prorrogação, no Estádio Olímpico em Roma.
A única coisa boa que ficou desta copa foi o seguinte: naquele jogo contra a Esapanha que eu falei, teve um pênalti pra nós, e quem cobrou foi o Waldemar de Brito. Ele errou e, logo depois, largou o futebol e foi ser olheiro: acabou descobrindo, no Bauru Atlético Clube, um negrinho franzino, que ele levou para o Santos, em 1956: o nosso Pelé.”

Pergunto: mas a Itália ganhou em 38 também. Então ela não era tão ruim assim. Mas o tio não concorda:

“Mas como é que, em plena época de início do nazismo, alguém podia ter alguma tranquilidade para disputar copa, exceto a Itália? Pra começo de conversa, foi nessa copa que inventaram a regra que desobrigava o campeão do mundo e o país sede de disputar as eliminatórias: com isso, tanto a Itália quanto a França se classificaram automaticamente, deixando as outras 14 vagas para os outros países.
Por exemplo, a Espanha não pôde ir porque estava em Guerra Civil. No jogo contra a Suécia, a Áustria não apareceu em campo. Sabe por quê? É porque o Hitler tinha invadido o país e levou a seleção austríaca inteira pra jogar pela Alemanha. A Suécia ganhou por W.O.
Nesta copa, aconteceu uma coisa inédita no Brasil: cariocas e paulistas não brigaram e mandamos uma seleção muito boa pra França. Tínhamos um grande jogador, o Leônidas da Silva, chamado o Diamante Negro, que fez uma coisa que eu nunca vi, e sei que nunca ninguém mais vai ver: um gol descalço. Estava chovendo no jogo contra a Polônia e a chuteira dele soltou a sola no barro. Enquanto eles estavam consertando, teve uma falta pro Brasil. No rebote, o Leônidas não pestanejou: sentou o pezão na bola e marcou o gol. Foi 6 a 5 pra nós. A camisa azul deu sorte. Até então, jogávamos só de branco, mas como a camisa da Polônia também era branca, jogamos com a azul, que só era usada nos treinos. Demos azar de, na semifinal, cair com a Itália. Aí não teve jeito: o Leônidas, não sei porquê até hoje, não jogou, e perdemos de 2 a 1. Mas ficamos com o terceiro lugar (ganhamos da Suécia por 4 a 2). Pra você ter uma ideia de como era a Itália na época, o jornal La Gazzeta noticiou a vitória sobre o Brasil dizendo que era o triunfo da inteligência branca italiana sobre a força bruta dos negros. Enquanto todos os países viajavam de trem ou de ônibus entre as cidades, a Itália viajava de avião pra lá e pra cá, a não ser neste jogo contra o Brasil, quando o avião pifou e eles tiveram que viajar de Toulouse até Marselha de trem.
Na final, Itália 4, Hungria, que era uma seleção bem forte também, 2.”

Pergunto: e 50, tio? E observo os olhos dele brilharem de novo. Mas agora é uma mistura de tristeza e desolação. É assunto pra outro dia, pra outro artigo.

(Artigo: Jorge Marin)

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