sexta-feira, 22 de junho de 2018

GENTILEZA GERA MESMO GENTILEZA???



Desde os idos de 1963, em São João Nepomuceno, aprendo (já havia sido treinado antes em casa) a praticar a arte da GENTILEZA.

Ceder o lugar para os mais velhos, usar as “palavrinhas mágicas”, respeitar figuras de autoridade e até mesmo dar a outra face, como no evangelho, foram algumas das atitudes ensinadas. Tudo isso, aliado a uma estrutura obsessiva, fizeram de mim o que pode se chamar de doce de pessoa.

O pior de tudo é que eu gosto de ser assim. Nas discussões, evito radicalizar, não procuro falar mais alta, não xingo e, para a maioria das pessoas, sou sábio e educado.

Quem age assim sabe que, muitas vezes, é difícil assumir essa postura, principalmente nos dias atuais em que a tônica tem sido a polarização e a tendência a desqualificar o outro, visto sempre como um oponente.

Há dias, como hoje, em que quase me arrependo e tento não ser tão gentil. Logo vem uma pessoa me lembrar a máxima do chamado Profeta Gentileza, José Datrino, um paulista de Cafelândia que, movido por inspirações alucinadas, desenvolveu um trabalho artístico nas 56 pilastras do Viaduto do Gasômetro no Rio, inscrevendo a frase “GENTILEZA GERA GENTILEZA”.

Dita por um autodenominado profeta, a máxima virou um mantra e vem sendo repetida pelas pessoas como uma verdade, como se, por sermos gentis, automaticamente as pessoas à nossa volta também passassem a ser gentis.

Só que não.

Aguardando na fila do supermercado vejo, no indicador de caixa livre o número 22. Aproximo-me do local indicado e, gentil, vou logo lascando um sorridente “bom dia”. Com cara de poucos amigos, a operadora de caixa me fuzila com os olhos e pergunta:
─ O que o senhor quer? Não vê que estou atendendo outro cliente? ─ Gentilmente, tento argumentar que vi o número do caixa dela no indicador e que, talvez, ela tenha esbarrado, sem querer, no botão de acionamento, o que é perfeitamente normal, acrescento, para tentar ser ainda mais gentil.
─ Não acionei nada ─ responde a sem-educação. E, mesmo assim, fico ali, sorrindo amarelo.

Pergunto a vocês: tem que ser assim? Tenho que ir dando gentileza indefinidamente até que, um dia, não sei quando, o meu interlocutor resolva, por um milagre divino, ou Datrino, ser gentil de volta? Não seria mais assertivo eu lembrar àquela pessoa infeliz que eu não tenho a mínima culpa de ela estar ali naquele momento exercendo uma função que ela parece odiar?

Não sei. Para quem foi treinado, e aprisionado nas correntes do POR FAVOR, DESCULPE e OBRIGADO, é difícil. Mas um dia eu aprendo.

Crônica: Jorge Marin

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