Desde os
idos de 1963, em São João Nepomuceno, aprendo (já havia sido treinado antes em
casa) a praticar a arte da GENTILEZA.
Ceder o
lugar para os mais velhos, usar as “palavrinhas mágicas”, respeitar figuras de
autoridade e até mesmo dar a outra face, como no evangelho, foram algumas das
atitudes ensinadas. Tudo isso, aliado a uma estrutura obsessiva, fizeram de mim
o que pode se chamar de doce de pessoa.
O pior de
tudo é que eu gosto de ser assim. Nas discussões, evito radicalizar, não
procuro falar mais alta, não xingo e, para a maioria das pessoas, sou sábio e
educado.
Quem age assim
sabe que, muitas vezes, é difícil assumir essa postura, principalmente nos dias
atuais em que a tônica tem sido a polarização e a tendência a desqualificar o
outro, visto sempre como um oponente.
Há dias,
como hoje, em que quase me arrependo e tento não ser tão gentil. Logo vem uma
pessoa me lembrar a máxima do chamado Profeta Gentileza, José Datrino, um paulista
de Cafelândia que, movido por inspirações alucinadas, desenvolveu um trabalho artístico
nas 56 pilastras do Viaduto do Gasômetro no Rio, inscrevendo a frase “GENTILEZA
GERA GENTILEZA”.
Dita por um
autodenominado profeta, a máxima virou um mantra e vem sendo repetida pelas
pessoas como uma verdade, como se, por sermos gentis, automaticamente as
pessoas à nossa volta também passassem a ser gentis.
Só que
não.
Aguardando
na fila do supermercado vejo, no indicador de caixa livre o número 22.
Aproximo-me do local indicado e, gentil, vou logo lascando um sorridente “bom
dia”. Com cara de poucos amigos, a operadora de caixa me fuzila com os olhos e
pergunta:
─ O que o
senhor quer? Não vê que estou atendendo outro cliente? ─ Gentilmente, tento
argumentar que vi o número do caixa dela no indicador e que, talvez, ela tenha
esbarrado, sem querer, no botão de acionamento, o que é perfeitamente normal,
acrescento, para tentar ser ainda mais gentil.
─ Não acionei
nada ─ responde a sem-educação. E, mesmo assim, fico ali, sorrindo amarelo.
Pergunto
a vocês: tem que ser assim? Tenho que ir dando gentileza indefinidamente até
que, um dia, não sei quando, o meu interlocutor resolva, por um milagre divino,
ou Datrino, ser gentil de volta? Não seria mais assertivo eu lembrar àquela
pessoa infeliz que eu não tenho a mínima culpa de ela estar ali naquele momento
exercendo uma função que ela parece odiar?
Não sei.
Para quem foi treinado, e aprisionado nas correntes do POR FAVOR, DESCULPE e
OBRIGADO, é difícil. Mas um dia eu aprendo.
Crônica:
Jorge Marin
Foto : disponível
em http://www.healthfreedoms.org/here-are-some-ideas-when-youre-unsure-how-to-react-to-a-rude-person/
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