quarta-feira, 6 de junho de 2012

CORPOS: ENTRE A DELÍCIA E O DELITO

Foto por Bryan Ness

Na semana passada, eu falava aqui sobre os corpões das gatas do reality show.  Corpões significando grandes e fortes; parrudos, conforme se dizia antigamente.  Conversando com algumas pessoas, falamos sobre a moda de manipular livremente o corpo, cortando-o e modificando-o com todo o tipo de alterações imagináveis.  Relegado a dispositivo móvel descartável, o corpo pode ser claramente rejeitado pelo seu dono e condenado a ser enchido de alimento e, em seguida, esvaziado rapidamente, tudo em nome de uma assimetria entre a forma que o corpo deve ter hoje (favor pesquisar no Google) e aquela que vemos no espelho.
Impossível não nos lembrarmos, aqueles que viveram a época, dos idos dos anos 60, quando o corpo deveria ser esquecido, renegado e até, segundo alguns religiosos, mortificado.  Eu me lembro que, preparando-me para minha primeira comunhão, fui alertado pelo pároco da época a ter cuidado com minha iniciação sexual (eu tinha sete anos!) pois, segundo ele, meu corpo era o “templo de Nossa Senhora”.  Sem saber o que significava aquela palavra (um termo chulo) que ele me perguntou se eu praticava, imaginem a responsabilidade e o medo de saber o que o meu corpo poderia causar!
Quase cinquenta anos depois, no badalado século XXI, parece que o uso intensivo do corpo passou a ser compulsório.  Ou compulsivo: todos temos que ser saudáveis, sarados, jovens, magros, atléticos e energizados.  Não há espaço, nem paciência, para tristeza, baixo astral, relaxamento ou qualquer deslize que possa ser confundido com alguma coisa diferente de boa forma física.  As mulheres, então, coitadas, após sua estafante jornada dupla – e às vezes tripla – de trabalho, têm que se submeter a uma bateria de cremes rejuvenescedores, ceras depilatórias, esfoliantes, suplementos alimentares, pílulas antigordura e outros feitiços para modificar o corpo.  Não se assustem com a palavra feitiço pois, quem assistiu algum filme do Harry Potter sabe muito bem o que a palavra inglesa “charm” significa.
A Guerra Fria foi substituída pela guerra corporal.  Mas essa é uma guerra inglória pois todas as vezes, repito, TODAS as vezes em que lutamos com o nosso corpo, perdemos.  Não dá para ganhar!  Porque, se derrotarmos o corpo, ele morre.  E aí, pra onde vai a Inês?
A dessacralização do corpo, e o pior é que falo isso justamente na véspera do feriado de Corpus Christi, causou um esvaziamento metafísico das entranhas.  Hoje, o corpo humano virou uma espécie de carro que deve ser levado diariamente para manutenção, ou, se cometemos o pecado de ter nascido há mais de cinquenta anos, uma lata velha, para usar o jargão televisivo.
Não falo essas coisas buscando uma volta aos padrões moralistas e intimidatórios do Padre Oswaldo.  Afinal, o corpo nos foi dado por Deus para ser utilizado e para que nele vivamos nossa experiência terrestre.  Mas, mesmo quem não queira reconhecer nas suas vísceras nenhum tipo de santidade, TEM que admitir um mínimo de dignidade.  Se o corpo não é um templo, pelo menos deve ser  a casa da minha consciência e, só pelo fato de ser casa, moradia, tem que ser, OBRIGATORIAMENTE, respeitado, cuidado e dignificado.
Dois crimes, na última semana, um namorado que ateou fogo à ex-namorada e o esquartejamento de um empresário pela esposa supostamente traída, são claros sinais de alerta sobre esse caráter descartável do corpo.  Que saibamos ouvir além do sensacionalismo dos noticiários.  E pensar...

(Crônica: Jorge Marin)  

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