Foto por Bryan Ness
Na semana
passada, eu falava aqui sobre os corpões das gatas do reality show. Corpões significando grandes e fortes;
parrudos, conforme se dizia antigamente.
Conversando com algumas pessoas, falamos sobre a moda de manipular
livremente o corpo, cortando-o e modificando-o com todo o tipo de alterações
imagináveis. Relegado a dispositivo
móvel descartável, o corpo pode ser claramente rejeitado pelo seu dono e
condenado a ser enchido de alimento e, em seguida, esvaziado rapidamente, tudo
em nome de uma assimetria entre a forma que o corpo deve ter hoje (favor
pesquisar no Google) e aquela que vemos no espelho.
Impossível
não nos lembrarmos, aqueles que viveram a época, dos idos dos anos 60, quando o
corpo deveria ser esquecido, renegado e até, segundo alguns religiosos,
mortificado. Eu me lembro que,
preparando-me para minha primeira comunhão, fui alertado pelo pároco da época a
ter cuidado com minha iniciação sexual (eu tinha sete anos!) pois, segundo ele,
meu corpo era o “templo de Nossa Senhora”.
Sem saber o que significava aquela palavra (um termo chulo) que ele me
perguntou se eu praticava, imaginem a responsabilidade e o medo de saber o que o
meu corpo poderia causar!
Quase
cinquenta anos depois, no badalado século XXI, parece que o uso intensivo do
corpo passou a ser compulsório. Ou
compulsivo: todos temos que ser saudáveis, sarados, jovens, magros, atléticos e
energizados. Não há espaço, nem
paciência, para tristeza, baixo astral, relaxamento ou qualquer deslize que
possa ser confundido com alguma coisa diferente de boa forma física. As mulheres, então, coitadas, após sua
estafante jornada dupla – e às vezes tripla – de trabalho, têm que se submeter
a uma bateria de cremes rejuvenescedores, ceras depilatórias, esfoliantes, suplementos
alimentares, pílulas antigordura e outros feitiços para modificar o corpo. Não se assustem com a palavra feitiço pois,
quem assistiu algum filme do Harry Potter sabe muito bem o que a palavra
inglesa “charm” significa.
A
Guerra Fria foi substituída pela guerra corporal. Mas essa é uma guerra inglória pois todas as
vezes, repito, TODAS as vezes em que lutamos com o nosso corpo, perdemos. Não dá para ganhar! Porque, se derrotarmos o corpo, ele
morre. E aí, pra onde vai a Inês?
A
dessacralização do corpo, e o pior é que falo isso justamente na véspera do
feriado de Corpus Christi, causou um esvaziamento metafísico das
entranhas. Hoje, o corpo humano virou
uma espécie de carro que deve ser levado diariamente para manutenção, ou, se
cometemos o pecado de ter nascido há mais de cinquenta anos, uma lata velha,
para usar o jargão televisivo.
Não falo
essas coisas buscando uma volta aos padrões moralistas e intimidatórios do Padre
Oswaldo. Afinal, o corpo nos foi dado
por Deus para ser utilizado e para que nele vivamos nossa experiência
terrestre. Mas, mesmo quem não queira
reconhecer nas suas vísceras nenhum tipo de santidade, TEM que admitir um
mínimo de dignidade. Se o corpo não é um
templo, pelo menos deve ser a casa da
minha consciência e, só pelo fato de ser casa, moradia, tem que ser,
OBRIGATORIAMENTE, respeitado, cuidado e dignificado.
Dois
crimes, na última semana, um namorado que ateou fogo à ex-namorada e o
esquartejamento de um empresário pela esposa supostamente traída, são claros
sinais de alerta sobre esse caráter descartável do corpo. Que saibamos ouvir além do sensacionalismo
dos noticiários. E pensar...
(Crônica:
Jorge Marin)
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