quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O QUE HÁ DE NOVO NO DIVÃ? - II

Frame do filme Dom Juan de Marco

Ainda meio bolado pela última, aliás, primeira paciente, escuto a campainha e vou atender: é o paciente das 15 horas. Elétrico... é a primeira palavra que me vem à mente, não mostra dúvida em qual cadeira sentar, olha o relógio e parece um tanto incomodado de estar aqui.
No entanto, vai me fornecendo os seus dados pessoais e não demonstra inibições. Sabem aquele mistério: afinal de contas, por que é que esse cara, com tantas certezas, está aqui? Chegamos ao ponto:
- Minha noiva engravidou e estamos morando juntos...
Penso: finalmente um assunto comum, já que tantas pessoas, mesmo no meu tempo, já passamos. Digo “no meu tempo” porque esse jovem, até um pouco franzino, deve ter, no máximo, uns 25 anos.
Fiz aquela coisa horrível, que nenhum analista deve fazer: prejulguei, achando que o problema do paciente era semelhante àqueles com os quais estamos acostumados: o rapaz, fazendo mestrado ou pós, engravida a moça, resolvem se casar, mas têm que depender dos pais, até poderem caminhar com as próprias pernas, certo? Errado!
- Eu tenho uma situação financeira estável. Criei um aplicativo para celular que foi comprado por uma multinacional, e posso ficar tranquilo, em meu apartamento, bolando meus programas. Mas agora, com a Gabi morando comigo, fica impossível receber outras mulheres para transar.
Faço cara de trailer de filme de arte, mas minha vontade é perguntar: como assim, mulheres?
- Eu sempre tive muitas mulheres. Antes, eu transava nos lugares mais bizarros, tipo posto de gasolina, banheiro de bar gay, mesa de sinuca, mirante, essas coisas. Depois que comprei meu apartamento, eu prefiro levar para lá, para dar mais privacidade, sabe como é né?
Como não sei, não faço o menor movimento.
- Agora me sinto completamente tolhido. Não consigo entender esse lance de monogamia porque acho tudo muito ilógico. Preciso do contato de outras mulheres pra me sentir vivo. Estou me sentindo como um padre porque, depois que casei, tive que fazer voto de castidade com as outras mulheres. Acho isso tremendamente injusto!
Quebro o silêncio:
- Então você acha injusto pessoas casadas não poderem fazer sexo com outras pessoas?
- Eu sei aonde você quer chegar – o cara fica irado (ih, já estou falando igual a outra paciente) – você quer que eu lhe diga se concordo que a minha mulher faça a mesma coisa?
- Você quer dizer?
- É claro: não tem nada a ver uma coisa com a outra. Eu tenho minhas necessidades, mas ela não se liga muito nesse lance de sexo com várias pessoas diferentes. Por que é que eu teria que me preocupar com ela?
- Com o desejo dela? – completo.
- O que é que você quer dizer com desejo dela? – pergunta o jovem marido. E fica me olhando...

(Conto – Jorge Marin)

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