quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O QUE HÁ DE NOVO NO DIVÃ?

Ilustração publicada no site http://www.jogosdemeninas.cc

Essa moça entra pelo meu consultório e parece estranhamente forte, tem ombros largos mas o abdômen é um pouco cheinho, revela uma tatuagem na base das costas, um tribal, e masca um chiclete, piercing na sobrancelha esquerda.
Afastado há uns dez anos da clínica, me sinto meio enferrujado, e sou surpreendido pela pergunta:
- Você quer que eu te chame de você ou senhor?
- Como é que você quer me chamar? – a velha raquetada ainda funciona.
- É que meu avô exigia que eu chamasse ele de senhor. Aí, não sei porquê, mas me lembrei dele.
- Fale do seu avô.
- Ele era uma pessoa muito do bem. Gostava de tudo muito direito, não falava gíria, não xingava palavrão, era muito carinhoso e completamente apaixonado pela minha avó, que era uma megera. Véi, a mulher era muito sinistra. E meu avô era só “meu amor” pra cá, “meu amor” pra lá. Sacanagem, ele morreu de câncer. Eu gostava dele pra caramba. Até hoje, guardo aquele “santinho” dele. Sabe aquele lance que dão na missa de sétimo dia? Eu guardo dentro da minha agenda. Sei lá pra quê, né? Afinal, morreu, acabou...
Abaixa a cabeça e fica pensando, acho que ela vai chorar e já preparo a caixinha de lenços de papel. Mas ela se solta, estica, quase deita na poltrona:
- Minha mãe se liga nesse papo de vida após a morte, vai nuns centros espíritas de vez em quando, maior viagem.
- E você?
- Ah, quando eu tava com depressão, ela me obrigava a ir junto, tomar passe. Depois, me levava na igreja também, e brigava comigo porque queria que eu comungasse. Eu não queria, mas acabava comendo aquele trocinho lá.
A hóstia, penso comigo, mas não falo. Nina tem vinte e dois anos, fez vestibular para Comunicação, mas não passou na federal. O pai, que é separado da mãe, pagou uma faculdade particular: ela matava muitas aulas, ia pros bares em frente. Acabou por desistir do curso. A mãe fez um escarcéu, culpou o pai, e Nina ficou meio desorientada, a mãe afirma que ela teve depressão, mas ela não apresenta sinais de ter estado deprimida.
- Cara, fui no Rock’n Rio, no sábado. Achei o Maroon Five muito irado, mas o tal do Maná é muito paia. Cê tá ligado no Cold Play?
Não é do meu tempo, penso, o Cold Play já é quase da virada do século, e ela continua falando.
- Zuamos até umas sete da manhã, depois voltamos na van, chegamos quase onze horas. Passei um torpedo pra louca da minha mãe, dizendo que estava na casa da Cris, mas fui dormir no apartamento do meu amigo Max. O cara é completamente sem noção...
Fico um pouco atordoado, porque a verborragia é a mesma da época em que parei, só que o ritmo é muito mais rápido, como se ela teclasse ao falar.
- Olha, mas a gente não transou não, tá? Também, do jeito que a gente tava, acho que foi um milagre ter acordado. Já tava de noite. No computador dele, tava passando o show dos Detonautas e aí...
- Seu tempo acabou. Até a semana que vem.
Ela sai e eu fico pensando: será que o tempo passou muito depressa nestes últimos dez anos?

(Conto: Jorge Marin)

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