quarta-feira, 14 de setembro de 2011

FÉ DE MAIS

Arte digital por Ryoko Girle

Na escola do meu filho, me perguntam: qual é a sua fé? Sou apanhado de surpresa e, confesso, não sei bem o que responder. Eu sei o que é que a entrevistadora quer ouvir: “católica” seria a resposta certa. Mas, chato que sou, recuso-me a dar a resposta esperada e respondo: de menos. Como assim, senhor? Minha fé, você perguntou, é de menos.
Aí, como todo bom chato, tenho que explicar: aprendi, com um mestre budista, que a fé é uma coisa mutante, porque depende da compreensão e do saber. No livro, que se chama “Jesus e Buda Irmãos”, o autor Thich Nhat Hanh diz que ter fé é como aprender a fazer pão de queijo: a gente vai na casa de alguém e come um pão de queijo delicioso. Aí, anota todos os detalhes e volta pra casa cheio de fé: fé de que pode fazer o pão de queijo sozinho. Compra todos os ingredientes e tenta fazer o pão de queijo, mas a coisa não funciona. Pronto, a sua fé foi abalada. Você volta na casa da pessoa e pede que lhe ensine de novo, e vocês fazem o pão de queijo juntos, só pra ter certeza. E volta pra casa com fé de que, agora sim, pode fazer pão de queijo. Só que, essa fé, agora renovada, NÃO É A MESMA FÉ DE ANTES. De volta pra casa, vai para a cozinha e... consegue fazer o pão de queijo exatamente igual. Agora você tem certeza e sai dizendo que nada no mundo vai abalar a sua fé de que é capaz de fazer pão de queijo. Dois anos se passam, e, num belo dia, você visita uma outra pessoa que faz um pão de queijo de uma maneira totalmente diferente da sua, e, pior, muito mais gostoso. Aí, você não renega a sua fé, mas você aprende. E renova a sua fé. Acho que fé não é pedra: parece mais com uma lagartixa, ou, melhor dizendo, um camaleão.
De qualquer forma, acho que não passei na tal entrevista, mas a coisa não acaba. Chegando em casa, ouço na TV duas notícias, em ambas se fala em boa fé: na primeira, uma mãe, que recebe oferta de uma estranha para comprar roupas para o seu bebê, deixa a criança em poder dessa pessoa que, naturalmente, se manda com o bebê. A outra notícia diz respeito a um pastor que, para curar mulheres, cobra favores sexuais. Ora, minha gente, acho que, nos dois casos, o que houve não foi boa fé, foi excesso de fé. O Direito fala que boa fé é o convencimento individual da parte de obrar em conformidade com o direito, até mesmo por desconhecer ou ignorar qualquer vício ou circunstância anterior. Então tá... mas, vamos pensar uma coisa: a pessoa entregar um bebê nas mãos de outra que nunca viu só porque esta vai comprar umas roupas, é fé demais. E, no segundo caso, entendo que a proposta de cura em troca de favores sexuais, em si, já é uma agressão. E, se a mulher se submete, entendo que é um caso de má fé, dela própria, consigo mesma, ou um autoengano.
Tive uma professora de Psicologia que dizia que, para andar para a frente, temos, obrigatoriamente, que tirar o pé de trás do chão. E penso que isso se aplica em questões de fé. Fé não é para ficar amarrado num conceito, como o de que todas as pessoas são boas, ou também que todas são ruins.
Fé, repito, depende de sabedoria e compreensão que, é importante lembrar, são duas coisas totalmente diferentes. Minha mãe comprou uma Bíblia ilustrada e, a partir daquele dia, eu não conseguia mais dormir pensando naquelas chamas do inferno. Hoje, aquela pintura me causa, no máximo, admiração (acho que é de Botticelli). Com o conhecimento, é a mesma coisa: você tem que se livrar do conhecimento presente, para adquirir outro mais profundo. Os cientistas, às vezes chamados de sem fé, sabem que, tão logo você faça uma nova descoberta, logo terá que abandoná-la para descobrir algo novo, mais evoluído, mais compatível com as novas formas de conhecimento.
Agora, essa coisa de dizer que “eu não acredito em Deus” é mais ou menos igual ao caso do peixe que diz não acreditar em água. Podem levar fé nisso. Ou não...

(Crônica: Jorge Marin)

Um comentário:

  1. Acreditar é mais uma capacidade do que uma escolha.
    Tem coisas em que eu realmente gostaria de acreditar, mas não consigo, por mais que eu tente.
    Se a ignorância às vezes é uma benção, acredito que a fé sempre o é, independente no que se acredita.
    Aí é fé em Deus e pé na estrada ou fé na estrada e pé em deus. Ambas opções são viáveis e prazerosas, dependendo da coerência (fé) com que se vive.

    Sylvio.

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