Digital art por Overflowed
Capítulo 2 - O cérebro
Na semana passada, falamos sobre a busca da felicidade. Via livros, drogas e até mesmo como promessa de religião. Fica parecendo que a felicidade é uma experiência transcendental, que só pode ser atingida através de alguma fórmula secreta, ou de uma experiência hermética, ou mesmo por meio de um encantamento.
Uma coisa é certa, dizem: o dinheiro, se não traz, ajuda a obter felicidade. Mas como explicar, então, o fato de vivermos, hoje, num mundo com mais fartura, maior segurança e muito mais saudável, e, no entanto, com taxas elevadíssimas de casos de depressão? Como justificar o fato de, juntamente com o crescimento econômico da China, estar ocorrendo um surto de suicídios naquele país?
Se, no último censo, os agentes do IBGE perguntassem sobre o nível de felicidade, com certeza a maioria das pessoas diria que era feliz, embora, na prática, o que se vê é a infelicidade estampada nos rostos, nos gestos, nos conflitos sociais, nas famílias e por toda a parte.
No campo da Psicologia, o que se percebe são paliativos. Também poderíamos dizer no campo “das psicologias”, pois são várias as abordagens. A Neuropsicologia, por exemplo, que pesquisa a relação entre o cérebro e o comportamento humano, tenta explicar, anatomicamente, o mecanismo das emoções. De acordo com os neurocientistas, a dificuldade para se vivenciar a felicidade plena, está em nosso próprio córtex cerebral, que privilegia as funções de proteção contra o perigo, do que as do prazer propriamente dito. E isto desde que somos bebês: por exemplo, aprendemos a gostar de coisas doces (que nos deixariam, pois, felizes) e a rejeitar os demais sabores. No entanto, como funciona nossa fisiologia? Nós podemos detectar o doce, apenas na pontinha da língua (cerca de uma parte por 200), enquanto o sabor amargo, sentido na parte posterior da língua é percebido 10.000 vezes mais forte.
Ou seja, o perigo do desprazer é supervalorizado pelo nosso próprio cérebro. A tendência de “fazer uma tempestade num copo d’água” é plenamente justificada e o resultado desta luta desigual é um aumento no estresse. Esta palavra, que designa as reações físicas e mentais à percepção de fatores que nos pareçam perigosos, nem havia sido inventada quando um fisiologista americano, Walter Cannon, apresentou, em 1914, a sua teoria da “luta ou fuga”.
A coisa funciona mais ou menos assim: quando expostos a qualquer coisa que nos pareça perigosa, nosso cérebro manda sinais ao organismo, que bombardeia nosso sangue com opióides (para não sentirmos dor), estreita nossos veias (para diminuir possíveis sangramentos) e dispara nosso coração, para mandar bastante sangue para nossos membros inferiores (em caso de uma possível fuga).
Esse sistema foi construído em tempos primordiais, quando tínhamos que escapar de animais selvagens, ou mesmo caçá-los para sobreviver. E o fato de nosso cérebro “privilegiar” o perigo, permitiu que sobrevivêssemos até os dias atuais, pois, se o cérebro somente destacasse o prazer, já teríamos sido facilmente extintos pelos nossos predadores.
No entanto, a reação atual que temos ao prestar um concurso vestibular é a mesma de quando enfrentávamos uma matilha de lobos selvagens. Uma discussão doméstica, sobre um derramamento de café no tapete, gera uma preparação para a batalha, digna de uma guerra de Troia. Todo este cortisol, derramado na corrente sanguínea, certamente é superior às ameaças contemporâneas.
Ora, a conclusão que chegamos então é a de que “não dá para ser feliz”. Pois, se o nosso próprio cérebro põe uma lente de aumento sobre a infelicidade, como é que vamos fazer? E esta também é uma outra armadilha na qual estamos sempre caindo: a de achar que, quanto menos infelizes, mais felizes ficamos. E isto é uma grande mentira porque, como dizia o cronista esportivo Juarez Soares, “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”. Por exemplo, se você mora no Haiti e o terremoto não derruba sua casa, você fica menos infeliz, mas, certamente, está longe de ser feliz. Talvez este tenha sido um dos grandes problemas com as psicoterapias: as pessoas saem aliviadas de grande parte de suas misérias emocionais, mas acabam voltando, pois não aprendem sobre as coisas positivas, como a própria felicidade, compaixão e entusiasmo.
NA PRÓXIMA SEMANA: a essência da felicidade, reflexão final.
(Crônica: Jorge Marin)
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