Digital art por Tsuki Takarai
Nas últimas duas semanas, falamos sobre os aspectos externos da felicidade. Mas, será que existe um aspecto interno? Isso é o que vamos avaliar a partir de agora.
Todos temos o nosso Ego, o nosso Eu. E o que é o Eu? O Eu é forma como fazemos a leitura da nossa existência. Muito criticado nos meios religiosos, o Eu garante a nossa existência. Caso esta percepção do Eu não existisse, nós também não existiríamos, pelo menos no nosso ponto de vista pessoal.
Mas, ter consciência de sua existência é uma coisa, achar-se o centro do universo é outra. A verdade é que, para não ser absorvido, dissolvido mesmo no torvelinho de informações do mundo moderno, o homem tenta desesperadamente se destacar. Somos ensinados que felicidade é o mesmo que sucesso pessoal. E este sucesso é obtido através do prazer, de preferência da obtenção daqueles objetos que poucas pessoas possuem. Desta forma, a felicidade só será atingida quando conseguirmos ser aquilo que queremos ser: vencedores de uma batalha que engendramos todos os dias para conquistar aquilo que nos parece importante; na realidade, pequenas necessidades e ambições engrandecidas pelos nossos desejos.
A própria História da Humanidade é baseada nesta lógica de conquistas, batalhas e derrotas, não necessariamente nesta ordem. Quando repetimos estes feitos, temos a nítida sensação de ter atingido a felicidade. Quando nos apaixonamos, ou nos graduamos, ou obtemos uma promoção no trabalho, ou adquirimos um bem luxuoso, vamos dormir com aquela sensação de preenchimento e de contentamento. Mas, já no dia seguinte, a insatisfação ressurge, a realidade não é suficiente para atender às crescentes expectativas. Aí, caímos de novo na armadilha: planejamos, projetamos a felicidade para um futuro, ainda que próximo, e retomamos a luta. Sabe aquela história de “estou correndo atrás”? Pois é, a felicidade está sempre a nossa frente, no tempo, num futuro que jamais chega, e dentro desta lógica egóica, jamais chegará.
A lógica egóica é muito simples: é feliz quem faz o que quer, consegue ser o que deseja ser, e não tem de dar satisfação a ninguém. Muitos objetarão que isto é um julgamento moral, mas isto é apenas uma constatação de que o Eu quer, mais do que tudo, preservar a sua integridade e, para tal, não hesita em manifestar este comportamento tipicamente infantil.
É claro que vivemos num mundo material e, certamente, não há nada condenável em ter desejos e ambições, e nem imoral em satisfazer os sentidos humanos. Mas, atrelar a conquista da felicidade a estes objetos de desejo, é tão inútil quanto achar que somos pessoas diferenciadas no universo. Porque, se assim fosse, haveria uma conquista de felicidade específica para cada Eu. E isto seria impossível, por dois motivos: primeiro, porque o Eu sempre quer tudo para si; e, em segundo lugar, porque o Eu acha que o mundo é ele mesmo.
Entretanto, sair desta teia, desfiar esta trama, é uma tarefa difícil, que só poderá ser atingida, quando escaparmos justamente desta armadilha de fixação de metas e resultados. Neste novo modelo, a busca da felicidade seria outra que não a promoção de nossos Eus em detrimento dos nossos semelhantes. Uma condição para a felicidade é a existência, plena e serena, atenta e livre, num ambiente livre de conflitos, angústias e ansiedades.
Dentro deste estado de equilíbrio, a felicidade deixa de ser efeito, e passa a ser causa. Aliás, este estado de equilíbrio e repouso mental É a felicidade. Portanto, todo este blá-blá-blá em torno da busca da felicidade é uma grande ilusão, é a crença ilusória nestes mecanismos de defesa do Eu, necessários à nossa autoconsciência, mas nada mais do que artefatos, assim como um “data show” ou um filme em 3D.
Isto não quer dizer que os nossos desafios cotidianos e nossas interações sociais não existam. Eles existem, assim como os conflitos inerentes ao nosso cotidiano. Mas, só porque existem conflitos, não significa que temos de vencer todos eles, mas sim observá-los, olhar para eles, e compreender a sua natureza.
Não serão os nossos pecados, nem as nossas virtudes que irão determinar o nosso grau de felicidade, principalmente porque não há grau de felicidade, mas estado de felicidade. Um estado que advém da subversão das nossas relações objetais, uma janela aberta para o mundo, para sabermos que não somos separados do universo e, principalmente, que não somos eternos.
E, quando conseguirmos enxergar o fluxo da existência, livre da luta pela sobrevivência e da imposição dos próprios desejos, estaremos começando a vivenciar o estado de plena felicidade. Titia Rita Lee (e Paulo Coelho), na música O Toque, já diziam que “você é uma criança do universo, e tem tanto o direito de estar aqui quanto as árvores e as estrelas e, mesmo que isto não esteja claro para você, não há dúvidas que o universo segue o rumo que todos nós escolhemos.” Isto é, todos nós juntos, sem prevalência de nenhum eu especial, sem posse de bens definidos e, principalmente, sem nenhuma espécie de conflito.
Aqui, no blog, sempre passamos esta mensagem de uma determinada noite, e a gente voltando dum baile, galos cantando, brisa fresca da manhã e cheiro de pão fresco. Seria isto a felicidade? E por que não?
(Crônica: Jorge Marin)
Amigo Jorge,esta inteligente crônica,me levou a recordar o ¨grande filósofo¨Odair José,que em uma de suas músicas,classificada como brega,cantava uma frase que,para mim,resolve toda essa questão ligada à procura da felicidade : ¨felicidade não existe,o que existe são momentos felizes¨.Abraços.
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