terça-feira, 6 de julho de 2010

TIO PITOMBO E AS COPAS



Capítulo 8

Estamos sentados na ampla sala da casa do Tio Pitombo, aguardando o início da partida entre Holanda e Uruguai. O tio está inquieto: afirma que vai torcer para o Uruguai “por causa do Loco Abreu”, mas insiste que, de acordo com os deuses do futebol, a Holanda será a campeã da copa. Peço para ele continuar falando das copas e ele começa a fazer graça com a copa de 1986, no México.

“Nesta copa aí que você está falando, o Brasil foi mais uma vez à final.”

E, antes que eu começasse a duvidar da memória enciclopédica do tio, este emendou, dando uma gargalhada.

“Uai, quem apitou a final não foi o Romualdo Arppi Filho? Então. Ele deu até um cartão amarelo para o Maradona! Mas esta foi uma copa chinfrim, era pra ser na Colômbia, mas a Colômbia estava quebrada e não deu conta. Aí ofereceram pra nós, mas o Sarney não quis. Aí o México acabou aceitando, mesmo tendo passado por um grande terremoto em 1985. Foi a copa do Maradona, que tinha sido barrado pelo Dr. Bilardo em 82, e agora voltava, com novos nomes, como Valdano, Burruchaga, Pumpido e até o Passarela na reserva, já pensou?
O Brasil começou com um pouquinho de tumulto, mas o Telê, que não era bobo, deu a volta por cima: no dia do embarque para o México, o Leandro do Flamengo disse que não ia mais, porque o amiguinho dele, o Renato Gaúcho tinha sido cortado porque saiu da concentração sem permissão. O Telê promoveu o Edson do Palmeiras e convocou o Josimar do Botafogo, mas, já no segundo jogo, o Telê botou o Josimar como titular e ele jogou muito, marcou dois golaços, um contra a Irlanda e outro contra a Polônia.
Nós estreamos contra a Espanha no Estádio Jalisco, na hora do hino, em vez do nosso ‘ouviram do Ipiranga’, tocaram, não sei por quê, o “salve lindo”, o Hino à Bandeira, mas ganhamos de 1 a 0, gol do Sócrates; a Espanha empatou com um gol autêntico do Michel, mas o juiz, um australiano, anulou dizendo que a bola não havia entrado. Aliás, nós só levamos um gol na copa, e foi justamente naquela partida sinistra contra a França. Foi ali, no México, que os deuses do futebol botaram a França pra assombrar a gente.
Eu lembro bem, porque foi num dia 21 de junho, aniversário da conquista da copa de 1970, ali mesmo no México, e também aniversário do Michel Platini, que era o melhor jogador da França e estava completando 31 anos. O Platini ganhou um presente e nos deu um presente: fez o gol do empate, aos 40 do primeiro tempo (o Careca tinha feito 1 a 0) e depois errou o pênalti. Mas, por falar em errar pênalti, o Zico, aos 30 do segundo tempo, bateu e o Bats pegou. E o Bats pegou de novo, quando o Sócrates bateu o primeiro da disputa de pênaltis, Stopyra fez 1 a 0, Alemão empatou, Amoros fez 2 a 1 e o Zico, desta vez, marcou e empatou de novo, aí o Bellone chutou, a bola bateu no travessão, bateu nas costas do Carlos e... entrou, 3 a 2, o Branco empatou de novo e aí, o aniversariante Platini chutou pra fora (3 a 3). Aí veio o nosso zagueirão Júlio César, do Guarani, e mandou aquela bomba... na trave. O Fernandez marcou e voltamos pra casa.
Daí pra frente, só deu Argentina: eles tinham ganhado da Coreia do Sul por 3 a 1, empataram em 1 a 1 com a Itália e mandaram 2 a 0 na Bulgária. Nas oitavas, ganharam do Uruguai por 1 a 0 e, nas quarta, da Inglaterra por 2 a 1, com aquele gol em que o Maradona driblou seis ingleses e, depois, aquele outro de mão, a mão de Deus. Curioso é que, como o técnico da Inglaterra tinha morrido de ataque cardíaco no jogo das eliminatórias contra o País de Gales, chamaram para técnico um tal de Alex Ferguson que, depois da copa, foi chamado para treinar o Manchester United e, até hoje, 24 anos depois, continua lá.
Na semifinal, mais dois gols do Maradona, e lá se foi a Bélgica que era uma das surpresas da copa e, finalmente, no dia 29 de junho, aconteceu a final com a Alemanha. Brown fez 1 a 0 para Argentina aos 23 minutos do primeiro tempo, Valdano fez 2 a 0 aos 10 minutos do segundo tempo. Parecia que ia dar Argentina fácil, mas, de tanto a gente secar, a Alemanha empatou, com um gol do Rummenigge aos 29 e do Voller aos 35. Mas, eu falei, era a copa do Maradona, e o danado achou o Burruchaga ao 38, e deixou ele na cara do Schumacher: 3 a 2, Argentina bicampeã do mundo.
Eu me lembro que, depois do jogo Brasil e França, o Fernando Vanucci, que era da TV Globo, leu uma poesia do Affonso Romano de Sant’Anna, que deixou a gente arrepiado. Eu não lembro mais, mas era muito bonita.”

Desta vez, eu é que surpreendo o Tio Pitombo, pois o Affonso publicou esta tal poesia anteontem, no seu blog. E eu trouxe pra ler pro tio:

“A bola não é um mero artefato de couro. É um ser alado, de ouro, ave sagrada, que rompe as traves da gaiola, isto quando não é flor que ao abrir-se em gols nos mostra a luz de sua corola.
A bola difere do diamante. Não tem arestas. E, no entanto, arisca, risca a pele em ritmo de festa. Não tem arestas porque é polida, não pela mão, mas pelo pé do ourives, caso se chame Garrincha ou Pelé.
Se na Espanha a bola fosse um touro, no gol, um toureiro faria da rede a capa ou estola. Mas, sendo no Brasil, ela é samba que o sambista cantarola, é toque na cuíca e caçarola, e a bandeira que o passista na avenida desenrola.
O jogador não é só mestre. É aluno que carrega consigo a escola. E para ele o mundo é a bola. E sendo a bola seu coração, ele sabe a lição de cor, não cola.
O jogador é um ator. Ele joga, encena a paixão no estádio tornando público o seu caso de amor com a bola. Mas pode ser ator dramático ou histrião. Neste caso, o ‘ser ou não ser’ é um chavão.
A bola é um raio que, quando cai no gol, vira trovão de bombas, gritos e alaridos da multidão.
A bola também tem uma contradição: pede que a persigam e ri da perseguição.
O bom jogador é como o cantor: não sabe mais o limite entre sua voz e a canção.
Ao mau jogador a bola parece um cactus roliço, um porco-espinho que a canela ou alma esfola. Ataca como um pivete que quando passa não se consegue pegar pelo pescoço ou gola.
A bola é como o tigre no zoológico da grama. E o jogador é o domador do fero instante sem usar o chicote ou chama.
Mais que amante que no campo da cama joga o jogo inaugural, o jogador é a cartomante e sua bola de cristal, jogando com o nosso ser, a nos trazer o bem e o mal.
Se a bola é bala, o corpo do jogador é a pistola, e, quando atira furioso, o adversário cai e sai de padiola.
A bola é bela? A bola é a fera que nos abala e desespera? Ou a bola é como a bula, ambígua, veneno e remédio, que nos mata e consola, mulher fatal que nos ama e desola?
Não, a bola não é a Lua, pálida quimera. Mais que a solitária esfera, a bola é um cometa, que de quatro em quatro anos nos assola.
Pensamos olhar a bola, mas a bola com seu olho é que nos olha.
A bola é como a Terra: redonda e humana. É como o homem: cheia de ar, inflada ânsia. A bola é nossa errância.
A bola não é coisa de adulto. É o que sobrou da infância.
Se o campo é um labirinto de pernas, a bola é um fio de novelo que desenrola. Nos foi dado por Ariadne, contra o Minotauro e a degola.
O jogador é um prestidigitador, que na última hora ante a torcida aflita tira um gol da cartola.
Também um ilusionista, coisa de artista de circo, que faz da bola argola, causando no estádio espanto, e sobre a cabeça do atleta a bola se faz de auréola fazendo do homem um santo.
O jogador, enfim, é um escritor. Ele joga com o instante e a glória. Tem os pés no chão e a cabeça nas nuvens, para cabecear a história.
O jogador é um poeta. – E como poeta, um fingidor. E joga tão perfeitamente que nos faz pensar que é poesia o que é jogo simplesmente.”

(Artigo – Jorge Marin)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

BRIGADU, GENTE!

BRIGADU, GENTE!
VOLTEM SEMPRE, ESTAMOS ESPERANDO... NO MURINHO DO ADIL