Ainda meio
abalado pela derrota do Brasil na Copa, chego à janela e fico vendo a multidão
lá embaixo na rua com suas camisas amarelas, apitos e vuvuzelas
É como se
o Brasil não tivesse perdido: as pessoas continuam bebendo, urinando (moças e
rapazes) no meio da rua e nas paredes dos prédios, enquanto carros de som
passam estremecendo as vidraças com seus potentes graves e músicas grosseiras.
Um jornalista
na TV questiona se os jogadores conseguiram defender a HONRA do Brasil e, vendo
aquele povão bebendo, xingando e se agredindo com socos e garrafadas, fico me
perguntando, afinal de contas, onde foi parar esse conceito de “honra”.
Lógico que,
quando menino, ouvia falar em honra em casa, pois todo pai de família fazia
questão de ser um homem honrado e toda mãe igualmente honrada, tanto é que, se
alguma dúvida sobre a honra de nossas mães fosse levantada, era motivo para briga
certa.
No entanto,
o momento em que a honra deixava os cadernos de Educação Moral e Cívica e passava a se incorporar, vívida, em nós, era quando nos apresentávamos ao Tiro de Guerra
para “servir à pátria”.
Sei que
tudo isso pode parecer meio piegas nos dias de hoje, em que tudo parece uma
questão de ter ou não grana, mas, sob a orientação do já saudoso Sargento
Matildes, aprendíamos que a vida tinha um propósito, que era individual, mas
que, para atingi-lo, deveríamos seguir um código de valores, e, principalmente,
aprender a respeitar a hierarquia e uns aos outros.
Assim,
desde a lavação das “sagradas” instalações sanitárias de nossa sede até as
marchas e cerimônias cívicas, convivíamos como uma grande família, onde,
independentemente de posição social, partilhávamos os mesmos direitos e
deveres, do assistente de pedreiro ao filho do doutor, do bancário ao
açougueiro, do operário ao bailarino, do marceneiro ao astrônomo.
A honra
se tornava uma questão de cidadania, pois, dentro da nossa comunidade militar,
aprendíamos com o sargento, muitas vezes “no grito”, que o contato com pessoas
diferentes permitia o atingimento de um estado de excelência, que na época eu
não compreendia muito bem, mas que, com o fluir dos anos, fui percebendo como a
construção de uma identidade cultural.
A
passagem de mais um trovão automotivo me tira do sério, e da reflexão sobre a
honra, conceito meio sumido nestes tempos de narcisismo desenfreado. Pena que o
nosso mestre Matildes se foi. Mas, certamente, nos ensinou muito.
Crônica:
Jorge Marin
Foto : Israel Malthik, disponível em http://www.difusorasjn.com.br/97.3fm/morre-capitao-matildes-ex-comandante-do-tiro-de-guerra-de-sao-joao-nepomuceno/
Nossa cidade compartilhou com os familiares o pesar do falecimento do Dr.Matildes.
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