Era uma sexta-feira
da paixão de um certo ano que eu não sei bem porque nem o meu pai (que contou a
história) me disse e nem eu perguntei. E não perguntei justamente porque,
depois do que ouvi, fiquei tão impressionado que nem dormir eu dormi
Imagino que
o meu pai teria uns dezoito anos, o que levaria o caso para o ano de 1940, mas
poderia ser um pouco mais. O fato é que ficou difícil pra mim duvidar, porque
meus dois tios também participaram da aventura, se é que podemos chamar de
aventura: o tio Brás e o tio Geraldo.
Meu tio
Geraldo eu nem cheguei a conhecer porque morreu jovem, mas o meu avô, na época
um próspero comerciante que havia trazido a família de São José dos Cabritos
para a cidade, ficou muito irritado com a ideia. Ora, onde já se viu, esses
mininos resolverem fazer serenata, cê tá me intendendo, uma SERENATA em plena
Sexta-Feira da Paixão!
Os tempos
autorizavam plenamente que meu avô desse uma coça nos três, até mesmo com o
relho. Mas, acredito que, pela santidade do dia, também os castigos físicos
estavam proibidos.
Assim,
saíram subindo pela Rua Cônego Reis com destino à Santa Rita. Acho que meu tio
Brás, então adolescente, tinha uma namoradinha ali na Rua do Banheiro (Rua
Major Joaquim Leite) e para lá se dirigiram afinando o violão. No repertório,
segundo meu pai, Francisco Alves, Orlando Silva, Augusto Calheiros, Sílvio
Caldas, uma verdadeira Rádio Nacional, que era a TV Globo da época.
Quase no
finalzin da Cônego Reis é que o TREM se sucedeu. Meu pai, que vinha mais atrás
pitando, escondido, um cigarrin de paia, percebeu que uma pessoa os seguia.
Pensou tratar-se de uma criança porque, assim de rabo de olho, notou que era um
pessoinha baixa e atarracada.
Quis
chamar os dois irmãos na frente, mas a voz não lhe saía da boca, talvez por
medo ou porque não era pra sair mesmo. Mas, os outros ainda não haviam notado a
presença até que... começou a clariar. Mas não era um clarão de luz não, mesmo
porque naquela subidinha nem luz não tinha. Os postes iam só até o final da Rua
do Totó.
Quando se
voltaram pra ver o que era aquela luz, é que foram perceber que aquele
homúnculo que, a princípio, só o meu pai vira, agora era um homem alto, vestido
de preto, de uns dois metros de altura, cachimbo no beiço e um caminhar tão esquisito
que, se eles andassem mais rápido, os passin dele continuavam deixando ele
coladin ni nóis, como disse o pai.
A essa
altura, invés de imbicar pro lado da casa do sô Narciso Leite, ali antes do
Pontilhão, voltaram os três correndo, e o violão eu nem sei, porque, até hoje,
nunca tive coragem de perguntar pro meu pai onde ficou. Uma coisa é certa: se
aconteceu eu não sei, mas que foi real, foi!
Crônica:
Jorge Marin
Foto : os irmãos Geraldo e Irenio (de paletó preto, meu pai).
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