Anteontem,
lembrando o Dia dos Avós, falei com meu filho:
- Não
esquece da vovó, hein filho!
- Vou
mandar um zap pra ela, pai.
Lógico...
as avós de hoje são bem diferentes daquelas nossas avós do passado. Mais
gatinhas, com suas leggings e tatuagens, mais parecem atrizes aguardando um
novo filme para estrelar. No entanto, aquela dose irrestrita de amor, aquela
capacidade de “estragar” docemente os netos permanece a mesma.
Lembro-me
que, quando menino, uma das minhas grandes frustrações era, justamente, não ter
avó. Ambas haviam falecido antes do meu nascimento.
No entanto,
hoje, mais de cinquenta anos depois, é que percebo que eu tinha, sim, uma AVÓ.
Irmã mais velha do meu pai, ela se tornou, com a morte da mãe, a cuidadora da
casa, do meu avô Ernesto, e dos irmãos, principalmente do meu pai que, mesmo
depois de casada, continuou por uns tempos morando na casa dela.
O nome
dela era pra ser uma homenagem ao Pai do Céu: Deusiana. Mas, por artes e destartes
de um oficial de cartório da roça, tornou-se Doseana. E, para todo mundo a
partir dali, a Doze.
Quando
nasci, a Doze já era a Dona Doze, bem mais velha do que o meu pai e nossa
vizinha numa casa parede e meia. Ela era uma pessoa reclusa: tinha aquilo que
hoje chamamos de síndrome do pânico. Fosse nos dias atuais ela tomaria remédio
e teria que ser diagnosticada, mas, naqueles tempos de Deus mais perto, a
solução era um chá de camomila com erva-cidreira e uma novena pra Santa Rita de
Cássia.
Resultado
dessas rezas, ou não, eu vim pro mundo bagunçar a vida tranquila da Dona Doze,
que se tornou minha madrinha: não permitia que ela passasse a aposta do jogo do
bicho pelas frestas do barracão do sô Antônio Sachetto porque eu queria ir lá,
ao vivo, ver aquele globo prateado onde as bolinhas com os números giravam.
Assim
como minha madrinha, eu também tinha meu próprio estigma: era o “asmático”,
graças a umas duas crises de bronquite que obrigaram o Sandu a ir lá em casa.
Do nosso
medo de sair de casa, nasceu essa relação de confiança que nos permitiu irmos,
juntos, viver a vida: minha madrinha me levava para cantar num circo montado
pelas crianças da rua no terreiro da casa dos Morales (eu cantava músicas do
Silvinho), íamos ver a montagem dos circos, parques e ciganos no campo do
Mangueira, ou apenas passar horas e horas debaixo da goiabeira e dos pés de
manga.
Hoje,
mais experimentado na vida, posso dizer, sem sombra de dúvida, que fui a cura
para os males da alma da minha madrinha-vó, e que ela foi o anjo que me levou
para viver, no momento em que eu mais precisava de vida. Saudade.
Crônica e foto: Jorge Marin
Maravilhosa sua crônica, Jorge!
ResponderExcluirMuito obrigado, Nilson. Chega uma hora em que temos que lembrar nossos "causos". Abração.
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