sexta-feira, 28 de julho de 2017

MINHA AVÓ ERA IRMÃ DO MEU PAI


Anteontem, lembrando o Dia dos Avós, falei com meu filho:
- Não esquece da vovó, hein filho!
- Vou mandar um zap pra ela, pai.

Lógico... as avós de hoje são bem diferentes daquelas nossas avós do passado. Mais gatinhas, com suas leggings e tatuagens, mais parecem atrizes aguardando um novo filme para estrelar. No entanto, aquela dose irrestrita de amor, aquela capacidade de “estragar” docemente os netos permanece a mesma.

Lembro-me que, quando menino, uma das minhas grandes frustrações era, justamente, não ter avó. Ambas haviam falecido antes do meu nascimento.

No entanto, hoje, mais de cinquenta anos depois, é que percebo que eu tinha, sim, uma AVÓ. Irmã mais velha do meu pai, ela se tornou, com a morte da mãe, a cuidadora da casa, do meu avô Ernesto, e dos irmãos, principalmente do meu pai que, mesmo depois de casada, continuou por uns tempos morando na casa dela.

O nome dela era pra ser uma homenagem ao Pai do Céu: Deusiana. Mas, por artes e destartes de um oficial de cartório da roça, tornou-se Doseana. E, para todo mundo a partir dali, a Doze.

Quando nasci, a Doze já era a Dona Doze, bem mais velha do que o meu pai e nossa vizinha numa casa parede e meia. Ela era uma pessoa reclusa: tinha aquilo que hoje chamamos de síndrome do pânico. Fosse nos dias atuais ela tomaria remédio e teria que ser diagnosticada, mas, naqueles tempos de Deus mais perto, a solução era um chá de camomila com erva-cidreira e uma novena pra Santa Rita de Cássia.

Resultado dessas rezas, ou não, eu vim pro mundo bagunçar a vida tranquila da Dona Doze, que se tornou minha madrinha: não permitia que ela passasse a aposta do jogo do bicho pelas frestas do barracão do sô Antônio Sachetto porque eu queria ir lá, ao vivo, ver aquele globo prateado onde as bolinhas com os números giravam.

Assim como minha madrinha, eu também tinha meu próprio estigma: era o “asmático”, graças a umas duas crises de bronquite que obrigaram o Sandu a ir lá em casa.

Do nosso medo de sair de casa, nasceu essa relação de confiança que nos permitiu irmos, juntos, viver a vida: minha madrinha me levava para cantar num circo montado pelas crianças da rua no terreiro da casa dos Morales (eu cantava músicas do Silvinho), íamos ver a montagem dos circos, parques e ciganos no campo do Mangueira, ou apenas passar horas e horas debaixo da goiabeira e dos pés de manga.

Hoje, mais experimentado na vida, posso dizer, sem sombra de dúvida, que fui a cura para os males da alma da minha madrinha-vó, e que ela foi o anjo que me levou para viver, no momento em que eu mais precisava de vida. Saudade.

Crônica e foto: Jorge Marin

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BRIGADU, GENTE!

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