Arte digital por Michael Devlaeminck
Capítulo 9 - Feito nas colcha (final)
NA SEMANA PASSADA, era domingão em São João. O que é que a gente fazia naquela época? Bom, em primeiro lugar, íamos à missa. Este era um compromisso literalmente sagrado. Mesmo nós, que já éramos adolescentes, íamos à missa das sete da noite, mesmo que fosse só pra ficar paquerando as meninas, ou ficar na porta escutando o jogo no botequim, do outro lado da rua. E o domingo também era dia de macarronada, com direito a uma Coca-Cola litro e, depois, ficar cochilando em frente à TV, assistindo ao Programa Sílvio Santos, na TV Globo, que só acabava na hora do Fantástico. Aí a gente mudava de canal e ia assistir Os Trapalhões na TV Tupi. No final da noite, dávamos uma chegadinha na Rua do Sarmento, parávamos na porta da sinuca do Sr. Cida para discutir o futebol, e terminávamos o domingo, na pracinha do Coronel, conversando fiado, tocando violão, e, depois que a Lanchonete Joia fechava, aí sim, considerávamos encerrado o domingo, e íamos contrariados para nossas casas.
Mas, isto é papo para civil e, naquela manhã ensolarada, estávamos meio incrédulos, mas, depois de tantas aventuras, estávamos prestes a passar nosso serviço.
Não sei se vocês se lembram, mas o 15 havia chutado o pé da cama para o 39 levar um tombo. Este, no entanto, entrou no quarto, piscou pra mim, e falou:
- Vocês são muito idiotas mesmo, esperando que eu me sente nessa cama, que está justamente com essa colcha que o 18 falou que é para nenhum atirador usar EM HIPÓTESE ALGUMA!
Pensei: é, o 39 está ficando esperto, pois eu até já havia me esquecido que tínhamos colocado, nas camas, as tais colchas intocáveis. Eu estava era torcendo pro 31 chegar logo, com os seus comandados (o 13, o 14 e o 16), para eu passar logo o serviço, antes que chegasse o tal representante do Ministério do Exército que ia visitar o TG.
Adivinhando meus pensamentos, o 13 chegou. Todo sorridente, brincalhão e trazendo uns pães doces que tinha acabado de comprar na padaria. Eu ainda tinha café na minha garrafa, o 12 tinha leite, e resolvemos tomar, juntos, um delicioso café com leite, e dividir aqueles pães. Vejam que companheirismo, que camaradagem... até que o 13, com aquele copo enorme de café com leite numa mão e um pão com Claybom na outra, fez o quê? Sentou na cama e, lógico, caiu! Olhei, apavorado para o copo de leite que voou longe, descreveu uma elipse, e caiu, de boca pra baixo, em cima da colcha que, EM HIPÓTESE ALGUMA, poderia ser utilizada. Foi uma meleca que faz gosto!
Levei as duas mãos ao rosto e a minha vontade foi chorar. Adeus, domingo! Adeus, Fórmula Um! Adeus, Botafogo! O 13 veio se desculpar, mas eu não queria ouvir ninguém e saí xingando alto em direção à sala de instrução.
Sentei numa cadeira, e comecei a pensar na série de desgraças que ocorreriam dali por diante, mas resolvi voltar e, para meu espanto, o 13 teve a “brilhante” ideia de enfiar a colcha que não podia ser usada EM HIPÓTESE ALGUMA, dentro da pia do banheiro. Além da melecada de leite, aquele trapo (porque já não era mais colcha) veio pingando água e leite pelo chão afora e sujando a pia, e molhando tudo.
Naturalmente, o 31, por mais gente boa que fosse – e é até hoje – não podia aceitar o serviço daquele jeito. Como é que íamos fazer? E quando o Sargento perguntasse pela colcha? E o cara do Ministério do Exército?
Mas, é o que eu digo: naqueles dias, aprendíamos a arte de lidar com problemas e, ao invés de transferi-los para nossos pais, nós mesmos os resolvíamos! O 13 acabou levando a colcha para a mãe dele, que morava pertinho do Tiro, lavar e secar a ferro. O 31, depois de muito choro nosso, aceitou receber, provisoriamente, o serviço, até que a colcha ficasse seca e passada. Eu, o 12 e o 15, fomos subindo a Avenida, rindo daquela confusão toda. O 39 foi com a gente, de calça da farda, camiseta branca e Havaianas, as legítimas. O Fittipaldi bateu, o Carlos Pace ficou em sexto (quem ganhou foi o James Hunt), e o Botafogo perdeu de 3x1 do Fluminense (2 gols de Gil e 1 de Dirceu). São João perdia 42 meninos, e ganhava 42 homens. Problemáticos, é verdade, mas com muita fé na vida!
(Crônica: Jorge Marin)
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