Arte digital por Arthur Ramsey
Subindo a rua da minha casa, para ir comprar pão, acabo ouvindo – não tem como não ouvi-los – a conversa de dois adolescentes:
- E aí, véi, o lance do churrasco tá certo mesmo? Vai rolar mulher?
- Tá tudo em cima, cara. E o Fulano vai leva uns gadin mais ou menos ajeitado e você pode ficar tranquilo porque não vai ficar na seca não!
Fico imaginando o que significa aquela conversa, quando estaciona um automóvel com a publicidade de um grupo de música sertaneja, com o anúncio “bebida liberada para ELAS até meia-noite”. Pergunto para o motorista por quê a bebida é liberada só para as mulheres, e ele me dá uma resposta interessante:
- É pra quando nóis chegarmos, os filezin já estar tudo amaciado, e tudo 0800.
Velho, em relação a toda essa modernidade, fico imaginando que a situação propiciaria um belo discurso moral, que, no entanto, soaria meio capenga, se algum colega dos anos 70 me lembrasse que esse seria o nosso sonho de consumo para churrasco naqueles anos de chumbo.
De qualquer forma, sem julgamento nenhum, duas coisas me preocupam: primeiro, se eu fosse pai de um daqueles filezin, iria ficar bem chateado em criar uma filha com esforço, dedicação e carinho para, na adolescência, ela ser transformada em novilha (seria nofilha?) e ser consumida na sobremesa de um churrasco, e sem tarifas. Em segundo lugar, outra preocupação: elas vão, e ficam em fila, para pegar aquela garrafinha de vodka que é “fraquinha” (dizem), mas faz muito marmanjo perder o caminho de casa.
Isso tudo é feito em nome de uma suposta “liberação”. Quer dizer: antes, quando éramos jovens, tudo era proibido. Hoje, ao contrário, mais do que permitido, é obrigatório transgredir. Mas, afinal, transgredir o quê? Antes, havia uma lei: sabíamos que não devíamos desrespeitar nossos pais, ou macular nossa religião, ou infringir a lei. Hoje, os pais, os padres, os militares, estão todos aposentados, participando de caravanas da terceira idade, e a juventude só no extravasa.
Mas, ávidos por satisfazer todos os seus desejos – e haja desejo – eles não percebem que acabam caindo cilada. Eles não estão mais sujeitos à autoridade paterna, é verdade, mas continuam sujeitos a um tipo de tirania, que é a do mercado. Por exemplo: todas as meninas, os filezin, têm, obrigatoriamente, que ser magras, estar maquiadas, ter celular, saber rebolar um funk legal, conhecer o nome da pílula do dia seguinte, ser descolada, bonita, saudável e feliz (sempre). Os caras também têm as suas obrigações, mais ou menos parecidas com as dos filezin, e até mesmo conhecer, aos 18 anos, as marcas dos medicamentos para disfunção sexual. No final, acaba todo mundo tendo a mesma cara, falando as mesmas coisas, os mesmos torpedos e até a depressão do dia seguinte é igual.
O engraçado é que Freud sempre dizia, e nós líamos maravilhados, que o mal estar da civilização era causado pelo excesso de repressão sexual. E agora, o que se vê é que a coisa está liberada, o filé é grátis e, no entanto, não parece que houve grande progresso na cura dos sintomas individuais. Pois, fora da farra, que é efêmera, as pessoas, em geral, parecem mais tristes, mais estressadas e mais decepcionadas com a vida.
Então, a encruzilhada é sinistra: qual deveria ser o destino dessa meninada, tornar-se filhinho e filhinha do papai, neuróticos e reprimidos? Ou ingressar, de cabeça, na perversão generalizada e obrigatória, imposta pelos publicitários, jornalistas e políticos, e acabar como gadin mais ou menos ajeitado?
Como diria Hamlet, nos dias de hoje: eis a questão. Hshua, hshua, hshua. ;)
(Crônica: Jorge Marin)
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