quarta-feira, 3 de março de 2010

VIVER A VIDA



Crônica: Jorge Marin

Toda noite, mesmo com a TV desligada, recebemos a poesia cantada de Vinicius de Morais: “tem dias que eu fico pensando na vida.” A verdade é que tem dias que eu fico mesmo pensando na vida. E não durmo.
Falamos no blog dos males do pensamento compulsivo, mas a questão aqui é outra: a vida é mesmo para ser pensada? Qual é a utilidade de se pensar na vida? Quando pensamos, invariavelmente, estamos avaliando alguma coisa que já aconteceu, ou fantasiando algo que vai ocorrer lá na frente, no futuro. E este pensamento, que nos tira o sono, vai mudar alguma coisa que já aconteceu? Ou vai alterar algo no futuro?
Outro poeta, o Cazuza, dizia: “vida louca vida, vida breve, já que eu não posso te levar, quero que você me leve.” E o caminho é por aí mesmo: a vida é para ser vivida, de forma natural e fluida. Assim como um rio. Vocês já imaginaram o Rio São Francisco planejando uma curva? Ou o Amazonas se arrepender de ter inundado um igarapé?
Muito dessa mania de pensar a vida vem de um pressuposto segundo o qual o pensamento gera inteligência, como se as pessoas sábias fossem aquelas que pensam muito e sabemos bem que isto não é verdade. De fato, se analisarmos melhor, veremos que a inteligência vem antes do pensamento. Antes mesmo que o nosso cérebro seja formado, uma inteligência já coordena e constrói cada parte de nosso corpo em estado embrionário.
Isto é, há, em tudo, esta inteligência que impregna e permeia todas as coisas manifestas, inclusive nós mesmos. Esta inteligência é a própria vida que, num momento, manifesta-se de uma forma, e em outro momento, retorna à sua fonte. “Olhai os lírios do campo”, dizia o mestre Jesus, “como eles crescem; não trabalham nem fiam”.
Mas nós não conseguimos acompanhar este raciocínio, principalmente porque é uma verdade para ser sentida, vivenciada. Julgamo-nos muito importantes, temos certeza absoluta de que somos, como dizia Raul Seixas, “um doutor, um padre ou um policial que está contribuindo com sua parte para o nosso belo quadro social.”
Resultado: uma população mundial que, ao invés de tirar lições de lírios, vive delírios sobre quem é ou o que faz. E não é só isso: este comportamento de “pensar na vida” gera sofrimento. O sofrimento vem da análise da vida, não desta em si.
É lógico que existem condições indesejáveis, que existe dor, que existe luto e perdas, mas é preciso saber que cada condição negativa tem o seu começo e o seu fim: “não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe.” Mas a vida não, a vida continua, sempre e sempre. Não por acaso, o contrário de morte é nascimento, não vida como se costuma dizer.
Quando digo para viver o momento presente, livre de pensamentos, não quero dizer que cada um deva fazer o que quiser, achando que está sempre certo. Isto não é vida, é loucura.
Viver a vida é estar plenamente consciente do momento atual, saber de todas as coisas lindas e imbecis que já fez e não julgar nem umas, nem outras. Viver a vida é saber que temos um futuro sobre o qual não temos o mínimo controle.
Portanto, já é tempo de parar de agir como se fôssemos participantes de algum Big Brother cósmico, no qual o que importa seria a aparência, a forma como nos comportássemos e a qualidade de nossas posições politicamente corretas.
O tempo é agora, o espaço é aqui e a vida pulsa como nunca.
Isto é tudo.
Ah, e um último poeta, Renato Russo: “quando tudo nos parece dar errado, acontecem coisas boas, que não teriam acontecido se tudo tivesse dado certo.”

3 comentários:

  1. Tudo foi dito de forma tão completa que não tenho nada a acrescentar. O que posso fazer é dizer que concordo e lhe dar os parabéns pelas palavras precisas. Sylvio.

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  2. Concordo plenamente com este feliz comentário do Sylvio.
    Acrescentaria apenas aquilo que, comentei certa vez: “Procuro também, estar sempre fazendo de seus escritos uma agradável referencia”
    Abraço forte e ao Futuro e Alem

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  3. Jorge, você começa o seu texto com duas perguntas:
    - "A vida é mesmo para ser pensada?"
    -"Qual a utilidade de se pensar a vida?"
    E eu fiquei com vontade de "pensar" a respeito. Você pensou para escrever não pensou? Nós pensamos, não há como negar. O homem é um ser pensante, não podemos fugir desta nossa condição.Faz parte do nosso ser. O Criador assim nos fez.
    Acredito,no entanto, que nem sempre pensamos somente para avaliar o passado ou fantasiar o futuro. Pensamos porque somos pensantes. Pensamos porque precismos pensar, analisar, refletir, meditar,aprender, louvar e tudo o mais.Pena é que nem sempre pensamos no que devíamos pensar e desperdiçamos tanta energia em coisas desnecessárias.
    Quanto à sua pergunta : pensar altera o futuro?
    Não sei em qual "pensar" você está se referindo. Se é aquela "pre ocupação" que nos inquieta, angustia, tira nossa alegria e sono, acredito que em nada vai alterar. Só vai é complicar. Como disse o Senhor" Não vos preocupeis com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã trará suas próprias preocupações" Mt6,24
    Precisamos "pensar" nisto: ouvir e colocar em prática. Não digo que é fácil, mas é possível, porque Ele disse.
    Bom é quando nos deixamos guiar pelo Pai.Não que devemos cruzar os braços e esperar que as coisas caiam do céu. Não. Precisamos fazer nossa parte. Deus pode fazer tudo por nós, mas não fará aquilo que compete a cada um de nós fazer.
    Como disse você, a vida continua sempre... sempre...
    Vivemos entre dores e alegrias e apesar da dor, às vezes, ser grande, a esperança nunca pode morrer. Não podemos perder de vista nossa vocação para o infinito. Acredito nisto. Vivamos, apesar das dores, com a esperança. "Pensemos nisto"
    Com carinho MIka

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