quarta-feira, 31 de março de 2010

LIGANDO PARA A INFÂNCIA



Crônica: Jorge Marin

Escrevo pressionado pelo meu filho que, da altura de seus quase cinco anos, exige minha presença para atuar, como tradutor, no mais recente videogame que ele está “detonando”. Temos falado da infância e, num dos últimos comentários, Sílvio Heleno lembrou que “a infância é linda”. Ele está certo, e a infância é tanto mais linda quanto a manifestação da força vital (divina?) que nos anima a todos.
Brincamos e a vida simplesmente é. Não procuramos subterfúgios, não premeditamos a chuva do dia seguinte. Quando meninos, as horas só tinham importância, se houvesse algum bolo no forno, ou se fosse véspera de Natal. A distância, então, simplesmente não existia: para ir à guerra, bastava descer correndo pelo quintal abaixo. E o pensamento, se havia, era somente: do que é que nós vamos brincar agora?
Humberto de Campos dizia que “na infância, o que se ouve ou o que se vê, não sobe para o cérebro; desce para o coração e aí fica escondido”. E talvez esteja aí, neste afastamento do cérebro, e do pensamento analítico, o segredo da chamada felicidade da infância.
Não que tenhamos sido sempre felizes. Houve momentos tristes, assustadores e até mesmo francamente depressivos, mas, quando isto acontecia, íamos para algum canto, ou abraçávamos algum de nossos pais e, pouquíssimo tempo depois, a angústia passava, e voltávamos a correr como loucos.
Vemos atualmente nossas crianças, ingressando muito cedo na vida social e, sem dizer que era melhor no nosso tempo, ou coisa parecida, simplesmente analisamos. Hoje, o menino, com cinco anos, já é veterano na escolinha. As meninas, aos nove ou menos, já vão com as mães ao salão de beleza, fazer as unhas, tirar sobrancelhas e até submeter-se a uma drenagem linfática.
As desculpas, ou melhor, as justificativas são muitas: as mães têm que trabalhar fora e as crianças precisam ficar nas creches; não se pode andar de bicicleta, pois o trânsito é perigoso, mesmo motivo pelo qual não se pode mais jogar bola no meio da rua. Para aplacar a culpa, matriculamos nossas crianças, no balé, na natação, no taekwondô, no inglês. Tudo ao mesmo agora, como diziam os Titãs. E o resultado de tudo isto é que conseguimos formar precocemente um bom contingente de neuróticos.
Crianças de cinco anos já se sentem frustradas se não possuem um celular. Ou ficam deprimidas, se não ganham um laptop até os oito anos. Então, percebemos que, de repente, um fenômeno começa a ocorrer: os pensamentos, antes tão restritos durante a infância, começam a ferver nos cerebrozinhos movidos a som de MP4 e Mac Lanche Feliz. E, com os pensamentos, o afastamento da força vital, o divórcio do Anjo da Guarda (lembram?) e a aposentadoria prematura do Papai Noel e do Coelhinho da Páscoa.
Para acabar com este estado de coisas, com a dinâmica do consumismo e a prisão do narcisismo (falam até que existe uma vaidade “boa”), é preciso uma coisa muito rara nos tempos atuais: é a dedicação. Os pais, e principalmente as mães, se revoltam: poxa, agora que sou independente, posso fazer minhas escolhas, não tenho que ficar escravo dos meus filhos. E vai neste pensamento, um grande equívoco: podemos escolher as causas, mas não os efeitos. Se escolhemos ter filhos, não nos é dado escolher se vamos ou não nos dedicar a eles: isto é uma consequência!
Portanto, melhor acabar por aqui, pois o meu pequeno buscador já largou o videogame e está assistindo “A Dança dos Vampiros”, filme de Roman Polanski, no qual fui barrado, ao matar aula, no Instituto Barroso. E, crítico precoce de cinema, meu pequeno crítico de cinema já declara:
- Ô pai, tem um vampiro aqui que parece com o Serginho do Big Brother!
Repetindo Oscar Wilde: “não quero adultos, nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice. Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto, e velhos, para que nunca tenham pressa.”

2 comentários:

  1. Jorge,
    Parabens pela crônica!Fantastica!

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  2. Ser criança é tão bom que continuei a ser criança por muito tempo.Ainda estou na adolescência. Ficar velho ? Vai demorar...

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