quarta-feira, 17 de março de 2010

PENSANDO NA CHUVA



Crônica: Jorge Marin

Acontece de chover quando acabo de deixar meu filho na escola. A pé, só me resta abrir o surrado guarda-chuva e fazer o caminho de volta para casa, debaixo daquilo que nossos pais chamavam de “toró”.
Percebo que, à medida que vou subindo a pequena colina para retornar, apresso o passo, resfolego e minha mente vai com um só pensamento: voltar para casa, voltar para a casa o mais rápido possível. Nem percebo o desfile de guarda-chuvas e sombrinhas à minha volta, nem a celebração feliz das crianças sob a chuva de verão.
Paro por um minuto, respiro, e percebo que meu pensamento está me levando a me rebelar contra... a chuva. Meu pensamento indica que aquela chuva está atrapalhando meus planos (de chegar seco em casa?), ameaçando minha integridade (vai que eu escorregue e caia no meio da rua) e até mesmo me atrapalhando pensar em coisas importantes como: minha declaração de Imposto de Renda na malha fina, a dívida do cartão de crédito e, importantíssimo, o resultado de meu exame de sangue.
Ou seja, o pensamento quer que eu rejeite o que é, para ter mais tempo para pensar em inutilidades. E notem que os assuntos que o pensamento quer pensar são apenas geradores de más notícias, como se eu tivesse um “Datena” inconsciente, no ar por 24 horas.
Como não posso fazer “deschover”, desligo um pouco meu frenético fluxo pensante e começo a observar a paisagem. Vejo as vidraças sendo lavadas, vejo as árvores balançando com a força do vento e até, vejam só, um casal de filhotes de bem-te-vi escondidos debaixo da caixa de correio de um casarão antigo. Ao estar atento a todos estes detalhes, o mundo, de repente, deixa de ficar cinza, e assume tonalidades fantasticamente coloridas, de amarelo ouro a verde escuro, talvez porque o sol, brigando com as nuvens, teime em se manifestar.
Chego à conclusão que, na maioria das vezes, é muito difícil para nós constatarmos que não somos deuses. Ficamos sempre contestando aquilo que é. Seja uma chuva, uma derrota, uma desilusão amorosa ou a perda de um ente querido. E o curioso é que a dor vem daí, da não aceitação do fato consumado.
Temos esta mania, curiosa e poder-se-ia dizer, inexplicável, de querer mudar o passado e garantir o futuro. Quanta energia é gasta neste processo inútil, desagradável e totalmente idiota. Não quero dizer que tenhamos que aceitar tudo pacificamente ou que não devamos fazer planos. O que eu tento entender, e do que tento me livrar, é desta vocação para brigar com uma coisa manifesta, como a chuva, por exemplo. Ou sofrer, antecipadamente, por um futuro que nem sabemos se vai existir.
Sartre falava que o que importa não é o que fizeram de nós, mas o que fazemos com o que fizeram de nós. Há também um momento marcante, na peça “Melanie Klein”, sobre a célebre psicanalista vienense (interpretada soberbamente por Natália Timberg), em que sua filha, vivida por Carla Marins, reclama de sua mãe, dizendo que esta se preocupava mais com seus pacientes do que com os filhos, o que teria levado seu irmão a cometer suicídio e levá-la a viver uma vida miserável. A resposta de mamãe Melanie é cruel, e surpreendente:
- É problema seu, e do seu analista!
Por isso, não estou mais lamentando a chuva, e nem estou correndo feito um louco para me livrar dela. O que eu posso fazer é continuar segurando firmemente o meu guarda-chuva, ou talvez até fechá-lo, já que a intensidade da água diminuiu e posso me dar o luxo de receber algumas refrescantes gotículas de chuva naquilo que, antigamente, eu costumava chamar de “meus cabelos”.
Lembro-me de Gene Kelly, cantando na chuva: “que sensação gloriosa, eu estou feliz de novo, eu estou rindo das nuvens, tão escuro lá em cima, o sol está no meu coração e eu estou pronto para o amor.”
Será que vai ter arco-íris?

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