Essa ilustração, em
que vemos uma família reunida para visitar a vozinha, além de retratar
fielmente uma realidade, nos leva a uma breve reflexão. Na simplicidade da imagem
observa-se nitidamente que, se o aparelho celular chegou para aproximar aqueles
que estão longe, em certas ocasiões veio também distanciar aqueles que estão
próximos.
Não que eu tenha alguma coisa contra essa revolução tecnológica tão
útil, mas é desagradável depararmos com um grande amigo que não vemos há anos,
e sermos privados de um simples aceno. Possivelmente, um bate-papo com alguém
que poderia até mesmo estar do outro lado do planeta nos colocaria também,
naquele momento, a centenas de quilômetros um do outro. Trocando em miúdos,
aqueles que se encontram próximos acabaram mesmo é ficando relegados a um
segundo plano. Não tardará o dia em que teremos que fazer uma chamada para
conversar com amigos que se encontram do outro lado da rua.
Até em videogame, máquina fotográfica e outros babados mais,
essa grande invenção foi transformada, e, se observarmos bem, é muito comum
encontrarmos pessoas flutuando pela calçada, caminhando distraidamente de olhar
grudado na telinha. Já vi gente caindo em buraco, trombando em poste, quase
atropeladas ao atravessar uma rua e até mesmo entrando em um orelhão (alienação
total!). É o físico desfilando pelas ruas, enquanto a consciência vai viajando
pelo ar.
E as intimas conversas pessoais que nos são confidenciadas, ou melhor,
nos são empurradas ouvidos adentro? Isso acontece a todo instante, seja em
esquinas, praças, velórios, festas, restaurantes, banheiros etc.etc.etc. E tudo
em alto e bom som!
Também desagradável é quando temos que interromper uma conversa com
pessoas que estão a pouco mais de um metro de distância, para dar lugar àqueles
que se encontram lá em Bagdá? E tudo sem que o dito intruso virtual venha, pelo
menos, nos pedir licença.
Geralmente, ficamos com cara de bundão, enquanto a esperar novamente
nossa vez, vemos simplesmente ir embora um precioso momento escutando conversa
dos outros, ou melhor, somente a réplica
E as famosas saidinhas para atender uma chamada? De que adianta afastar
o corpo, se a intimidade é propagada em alto e bom som pelo ar?
Certa vez, teve uma senhora que, após se posicionar repentinamente ao
meu lado na calçada, perguntou-me se não havia me esquecido de desligar e tirar
as bananas do forno. No impulso, ainda cheguei a responder: ─ Bananas? ─ Só aí
que fui perceber que a conversa não tinha nada a ver comigo.
Surreal mesmo é quando passamos por um local, quase sempre com wifi, e nos deparamos com dezenas de
pessoas sentadas lado a lado de cabeça baixa e de olho grudado na telinha.
Muito comum ali ficarem por um bom tempo sem uma única palavra para com aqueles
ao seu lado.
E assim, dez anos após ter escrito esta croniqueta, confesso ficar
sempre admirado quando me deparo com reportagens na TV, artigos em jornais,
revistas e afins, alertando sobre os excessos de alguns para com seus aparelhos,
e dos muitos males ou mesmo DEPENDÊNCIA causados por eles. A cervical que o
diga!
No mais, se o trem é bão mesmo, não custa nada lembrar que prudência e
canja de galinha não irão fazer mal a ninguém.
Crônica: Serjão Missiaggia
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