Uma das
poucas coisas que faziam o Tizeca se levantar da varanda era quando a Tia Maria
o requisitava para jogar uma partidinha de escopa.
Esse era
outro momento superinteressante no qual também eu ficava a esperar.
Pra
começo de conversa, tia Maria não ligava nem um pouco pra baralho. Enquanto ela
jogava, queria mesmo é ficar de olho na novela. O jogo, para ela, seria um mero
detalhe.
Ao
contrário, para o Tizeca, o jogo era questão de vida ou morte!
Dessa
forma, ele até que gostava que a tia Maria fosse assim, pois, estando ela
distraída, o ajudava, e muito, a fazer uma escopa atrás da outra.
- E as
cartas que apareciam debaixo de sua calça de pijama, quando se levantava pra ir
ao banheiro? Se era proposital... não sei!!! Apenas me lembro de serem as
mesmas e por sinal, as mais importantes (quatro de paus, sete de copas, ases de
ouro) e eu ficava bem caladinho!!!
Pausa no
jogo e... Tia Maria, de olho grudado na novela, nem percebia que o Tizeca, mais
uma vez, dava uma fugidinha para ir ao banheiro.
Coincidência
ou não, isto sempre acontecia quando o jogo começava a ficar esquisito para o seu
lado.
Assim,
arrastando aquele velho chinelo, saía em passos curtos, levando sempre alguma
carta sinistra agarrada no pijama.
Ao voltar
para a mesa, como se não bastasse, ao passar por detrás da Tia, ainda ficava a
dar, discretamente, uma breve olhadinha no jogo dela. Só depois se sentava
novamente pra prosseguir a roubalheira.
Cartas se
misturavam sobre a mesa, juntamente com: fumo de rolo, papelotes de papel,
xícaras de café, lenço, isqueiros e outras coisas mais. Era uma bagunça geral e
que em nada atrapalhava. O negócio era fazer uma escopa atrás da outra e nisso
o Tizeca era sem igual.
Às vezes,
o jogo terminava e a tia Maria nem atinava. Quando olhava para a mesa é que
percebia que, do lado do tio Zeca, brotava um monte imenso de escopas.
E a
quantidade de cinzas que ficavam a se juntar em cima da mesa e de seu pijama?
Ele
sempre teve a mania de jogar baralho, sem tirar, por um só minuto, o cigarrinho
da boca. Depois, como se nada tivesse acontecido, simplesmente, dava uma
discreta sopradinha, jogando aquele monte de cinzas no chão.
As cartas
do baralho ficavam todas engomadas, devido às inúmeras lambidas que o Tizeca
dava no dedo ao separá-las. Isto
acontecia sempre nos momentos de recontagem dos pontos ou na hora de novamente
dar as cartas.
Época de
muito frio, a casa toda fechada nos envolvia no aconchego e na fumaça do
cigarrinho de palha.
Dona
Filomena, de olhos fixos na novela e fazendo seu interminável crochê, procurava
se alienar de tudo e de todos, sempre embevecida numa eterna concentração.
Tudo era
muito divertido, até que, infelizmente, o sono começava a bater mais forte.
Enquanto
o relógio CUCO ficava a nos mostrar que já eram quase onze da noite, lá fora,
dona Venina começava fazer as primeiras chamadas.
É hora de
ir pra casa, pois amanhã cedinho haverá escola e logo logo estarei de volta...
- À
benção TIzeca... À benção tia Maria...
Até amanhã Dona Filomena!
Crônica:
Serjão Missiaggia
Foto: Igorka7, disponível em http://browse.deviantart.com/photography/?q=old+man#/dq3y0c