Hércules,
Maciste, Aquiles e Super-Homem... nos meus dias que, costumeiramente, as
pessoas chamam de “felizes” da minha infância, eu viajava o tempo todo por
reinos encantados e encantadores. Monte Olimpo, Fortaleza da Solidão, Asgard e
outros tantos destinos maravilhosos embalavam as minhas aventuras.
Ao lado
desse universo de fantasias, só uma coisa me preocupava: o meu pai. Franzino,
com seus óculos de aro preto, sentadinho no sofá e assistindo a um programa na
TV com a imagem toda “chuviscada”, ele não me parecia uma pessoa capaz de
salvar o planeta, ou derrotar um dragão ou, até mesmo, de ler um livro.
Operário,
o sô Irenio era uma pessoa que posso classificar, hoje, como totalmente
previsível: católico, congregado mariano, vicentino e profundamente cordato.
Jamais o vi brigando, nem mesmo com a minha mãe. Sua voz era calma, seu olhar
distante e seu abraço, economicamente discreto.
Saíamos
da missa de domingo e, ao invés de descer o Beco dos Ranna, caminho natural
para nossa casa na Cônego Reis, costumávamos descer todo o largo, e ir comprar
uma rosca doce na Padaria do Popó. Minha mãe, de mãos dadas comigo, ia falando
sobre os nomes das ruas, mas meu pai parecia extremamente incomodado com toda
aquela modernidade, talvez excessiva para uma pessoa que se orgulhava de sua
origem humilde em São José dos Cabritos (Ituí).
A uma da
tarde em ponto, tínhamos um compromisso com a Conferência de Santa Rita de
Cássia e, após a reunião, a visita aos pobres perto da Igrejinha de Santa Rita
e também na Rua dos Velhos. Em todos esses momentos, eu, que tanto queria ser
herói, cada vez mais me aproximava do comportamento simples, bem-humorado e
calmo do meu pai. Paradoxalmente, ele parecia me admirar mais a cada dia, mesmo
eu sendo cético, teimoso e anarquista.
Num dia
1º de maio, há exatos vinte anos, o trabalhador Irenio morreu. A cada ano que
passa, me pego copiando os seus trejeitos, a sua fala mansa e repetindo as suas
piadas. Meu filho, nascido dez anos após a morte do avô, sempre que “apronta”
uma arte aqui em casa, livra-se da bronca da mãe, dizendo uma coisa engraçada e
justificando: “o meu vô Irenio falava assim”.
Hoje,
quando vejo algum herói novo, uma nova tendência, a última moda ou o melhor
livro de autoajuda, sinto imensa saudade do meu querido pai. Imitá-lo é motivo
de orgulho para mim, buscar a sua simplicidade, extrema sabedoria.
Crônica:
Jorge Marin
Foto : acervo do autor
Estes valores são eternos, Jorge. Não sei se conheci seu pai, talvez , pois o meu morreu seis anos antes dele. Mas ao ler sua história, senti como se o conhecesse e senti mais ainda não ter tido a felicidade de conviver com ele. Passei a admirá-lo. Lembrei-me de meu querido pai que para nós deixou também uma herança de valores inegáveis. Fiquei emocionada.
ResponderExcluirConheci o "sô" Irênio e o admirava muito, justamente pelo seu jeito de ser. Sem dúvida foi um admirável ser humano!
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