quinta-feira, 6 de maio de 2010

O PEITO



Crônica - Jorge Marin

De repente, a cena artística nacional para e um fato marcante abala todas as estruturas do chamado mundo da arte. O motivo: a polícia está investigando uma peça teatral, já fora de cartaz, um musical na verdade, no qual uma garota de dezesseis anos exibe o seio nu, um só, o direito.
Ou seja, não importa mais os novos lançamentos de filmes, ou livros, ou mesmo os novos CDs gravados; o assunto agora é o peito. Todas as emissoras de TV, todos os sites dos grandes jornais, o Orkut, o Twitter, não se fala em outra coisa. Alguns argumentam: o Lula está voltando com a censura, é um absurdo! Outros condenam: é nisto que dá a falta de religião, estão exibindo pornografia infantil impunemente.
Sabem o que eu acho disto tudo? Na verdade, eu não acho nada! No entanto, começo a sentir mal com a oferta de tanta informação inútil nos meios de comunicação. A menina, que se diz virgem, estuda num colégio de freiras e informa que a exibição do seio estava no contexto da peça. O pai defende, afirmando o tal contexto poético. A promotora afirma que foi infringido o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Eu fico pensando que parece que há um surto de psicose endêmica, talvez uma pandemia, pois este fenômeno não está restrito ao Brasil: todo mundo tem certeza de tudo, o pensamento concreto está no ar, se é que o concreto pode ficar no ar, mas está aí o Oscar Niemeyer, às vésperas dos 103 anos, que não me deixa mentir. O fato é que as pessoas não conseguem abstrair e todos brigam, literalmente, para fazer valer seu ponto de vista.
E o pior é que não há como se esconder: tento ler uma análise de algum iluminado da Folha e lá está ele: o peito. Procuro notícias do meu Botafogo, mas há um peito na beira do gramado e, até nas páginas sobre comportamento, é analisado o assunto: você deixaria sua filha adolescente mostrar o seio no teatro?
Para piorar as coisas, são mostradas cenas de matérias relacionadas, e somos castigados com as imagens da garota que foi vaiada na faculdade porque estava com um vestido curto.
Toda discussão inútil termina por gerar um efeito adverso. Tem um vizinho meu, grosso como uma porta de cofre, que agora quer porque quer assistir a peça. A mulher fica irritada:
- Você só quer ir porque quer ver o peito da moça!
Ele, lendo o jornal, retruca:
- Não, eu quero poder avaliar o contexto polêmico da vivência homossexual num ambiente provinciano.
Ela não perdoa:
- Temática homossexual? Logo você que não suporta gay.
Mas meu vizinho permanece impassível:
- Eu sei como é difícil para um público como o brasileiro suportar estas coisas que são comuns nos países desenvolvidos.
A mulher é cruel:
- E o que é que você sabe sobre outros países? O máximo que você viajou até hoje foi no Paraguai, comprar aquele nosso vídeo-cassete...
- A gente passa uma vida inteira ralando – responde o marido – e agora, que descobre os encantos da arte, recebe este tipo de reação grosseira. De qualquer maneira, vou ver com o Zezinho, da van, se eles vão ao Rio.
- Só por cima do meu cadáver – decreta a mulher.
- Mas é um peito só – ele reclama.
- Não vem com essa não, que eu sei que eles sempre vem aos pares. É por experiência própria.
Será falta de cultura, ciúme, ou puro despeito?

Um comentário:

  1. Jorge,

    Concordo com você. Não dá para entender tanta tonta afronta à imagem do peito, se é o peito o primeiro objeto que nós mamíferos buscamos, imediatamente após o nascimento. Abraços,

    Bandão
    www.cesarbrandao.com.br

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